Conto - A Garota Perdida.

 contos de terror

A Garota Perdida

Talvez mais aguardado que seus próprios aniversários ou até mesmo o Natal, o Halloween seja o feriado preferido pela maioria das crianças. Se fantasiar de seu personagem preferido e bater de porta em porta atrás de doces grátis? Impossível não gostar. Sem dúvida era o feriado mais esperado por Anne, Jason e o casal de gêmeos Alex e Jasmine. O quarteto tinha os mesmos 12 anos. Suas mães eram amigas antes mesmo deles nascerem. Estudavam na mesma escola. Moravam na mesma rua. Tudo isso fazia do grupo os melhores amigos inseparáveis.


- Vamos, Jason! - Alex gritou da varanda pela terceira vez - Estamos perdendo os melhores doces!

Anne estava ocupada ajeitando os infinitos babados de tule de sua fantasia de fada. Jasmine, sentada em um dos degraus da entrada se ocupava em recolocar a tiara brilhante de sua fantasia de princesa enquanto seu irmão Alex, vestido como um pirata, andava de um lado para outro da varanda da casa de Jason.

Quando a porta enfim se abriu, Jason saiu animado e atraiu o olhar dos amigos.

- Você é um mágico? - Anne perguntou, curiosa.

- Sou o Drácula! - O garoto parecia verdadeiramente ofendido.

Alex puxou a irmã pelo braço para que ficasse em pé e no caminho também arrastou Jason e Anne para a calçada.

- Por mim pode ser até o Elvis que eu não ligo, desde que a gente comece logo a caçada!

A impaciência de Alex venceu e os quatro começaram sua jornada pelas ruas do bairro, assim como dúzias de outras crianças que corriam e gritavam felizes pelas mesmas ruas que eles, vestidas como super-heróis, monstros, personagens de desenho ou até mesmo como objetos e comidas.

O quarteto tinha um acordo posto em prática nos últimos três anos: Dividir por igual. O acordo começou quando notaram que mesmo indo até as mesmas casas ao mesmo tempo, as meninas recebiam porções maiores de doces e os meninos brigaram pela injustiça. Assim ficou acordado que no fim de cada caçada o grupo faria uma grande pilha de doces e repartiria em porções exatamente iguais.

O relógio do parque marcava as nove e cinco quando as quatro crianças passaram rindo. A esta hora a maioria das crianças menores já estava sob o toque de recolher e os mais velhos em festas incontroláveis, tornando as ruas mais vazias. O parque em si estava deserto, não fosse pelo quarteto que acabava de chegar. A região era cerada por escolas e comércios, o que mantinha os caçadores de doces afastados.

- Por que demorou tanto para sair essa noite? - Alex questionou.

- Meus pais estavam me segurando. - Jason andava chutando uma tampa de garrafa. - Começaram uma longa conversa sobre sermos velhos demais para correr por aí de fantasias.

- Achei que tínhamos sido só nós. - Jasmine se juntava a conversa. - Anne?

- Comigo também. - Confessou.

Andaram em silêncio por poucos minutos até Alex chutar uma pinha com toda força.

- Pff! O que os pais sabem? Não estamos velhos demais pra nos divertirmos. - Terminou sua frase e correu na frente dos outros. - Quem chegar por último come um sapo morto!

Jason saiu correndo imediatamente, enquanto as meninas ainda tiveram tempo de se olhar e dizer ao mesmo tempo: - Que nojo!

Logo haviam sentado entre os brinquedos do parquinho e dividido suas conquistas açucaradas daquele ano. Agora se ocupavam em comer a maior parte enquanto conversavam sobre programas de tevê.

Todos olharam em volta quando um som de metal rangendo os fez parar de rir. O gira-gira se movia lentamente enquanto uma garota pequena dava impulso com pés descalços. Ela usava um comprido vestido branco que poderia ser confundido com aquelas camisolas antigas, e um felpudo urso de pelúcia estava sentado ao seu lado. O vento jogava os longos cabelos pretos sobre o rosto da menina, mas, mesmo assim, sua palidez quase absorvia o branco do vestido, a não ser pelo contorno dos olhos que pareciam escuros de olheiras.

- Vocês querem brincar?

Sua voz era um sussurro que quase foi apagado pelo vento que soprou forte no mesmo instante.

- Credo... - Alex sussurrou com um arrepio.

- Ah, você está sozinha aqui? - Anne se levantou e deu um passo para perto da menina que se encolheu parando o movimento do brinquedo e fazendo Anne parar também. - Tudo bem. Eu não vou te machucar. Onde estão seus pais?

A menina pareceu pensar sobre isso antes de dar de ombros e pôr o brinquedo novamente em movimento com o rangido insistente do metal enferrujado.

- Qual seu nome? - Jasmine tentou sorrir, mas, no fundo, também estava um pouco arrepiada com a aparência da menina. - O meu é Jasmine, essa é minha amiga Anne, meu amigo Jason e meu irmão Alex.

- Emily. - Um sussurro. Apontou para o urso ao lado. - Este é Teddy. Meu amigo.

- Cara, é a melhor maquiagem que eu já vi. - Jason falou baixo cutucando Alex. - Chega a assustar mesmo.

Anne se aproximou mais e desta vez a menina não se encolheu.

- Um prazer conhecer vocês dois. Vocês estão perdidos, Emily?

A pequena balançou a cabeça confirmando antes de virar os olhos fundos na direção dos quatro que se encolheram com a surpresa.

- Vocês querem brincar?

Quando nenhum deles respondeu, Emily puxou o urso de pelúcia mais para perto de si e voltou a falar.

- Teddy deixou bastante espaço para vocês. Vamos brincar.

Logo começou a cantarolar uma música e pareceu ignorar por completo os outros quatro que se reuniram ainda observando a pequena girar e girar.

- Galera, não podemos deixar essa menina sozinha aqui. Está ficando tarde e frio, e nem sapatos ela está usando. - Jason concluiu.

- Ela me dá arrepios... - Alex esfregou os próprios braços.

- Jason tem razão. - Jasmine concordou.

- Vocês querem brincar? - Emily, que no segundo anterior estava rodando no brinquedo, agora estava parada a centímetros do grupo, abraçando o urso de pelúcia e olhando para os quatro com uma expressão ao mesmo tempo inocente e apavorante. Atrás dela o brinquedo ainda girou alguns centímetros antes de parar.

Com o susto os quatro deram dois ou três passos para longe de Emily até que Jasmine decidiu voltar para perto, se abaixando para ficar na mesma altura.

- Vamos te levar até sua casa. Sabe onde fica?

Emily virou o urso de costas e o esticou para Jasmine que o pegou para olhar mais de perto. Uma etiqueta costurada nas costas do animal de pelúcia vinha escrito: "Emily H. – Ravenswood, Nº 137"

- Não conheço essa rua, mas posso achar. - Devolveu o urso para Emily que o abraçou com força e tirou um mapa dobrado de sua bolsa de princesa, o esticando no chão. - Luz, por favor.

Alex tirou a lanterna do bolso e iluminou o máximo possível para a irmã checar o endereço. Jasmine correu os olhos pelo mapa que englobava toda a cidade e vários minutos depois apontou para um pedaço específico.

- Aqui! - Sorriu ao encontrar o endereço, mas logo ficou séria. - É meio longe, mas acho que podemos andar até lá.

- Meio longe? Vamos levar umas duas horas para ir e voltar andando desse lugar. - Jason puxou os cabelos para trás. - Meus pais vão me matar.

O grupo debateu por vários minutos até que decidiram levar Emily até o endereço costurado em seu urso. Imaginaram que se fossem eles, com quatro ou cinco anos, perdidos em uma noite fria, gostariam que alguém ajudasse a voltarem para casa.

Anne se ofereceu para dar a mão para a pequena, e depois Jason ofereceu sua capa de vampiro para protegê-la do frio, mas em ambas as situações Emily negou e disse que estava bem.

- Você notou que desde que a encontramos ela não mudou a expressão? - Alex cochichava para o amigo. - Quero dizer, que tipo de criança perdida não chora ou faz aquela cara de filhote na chuva?

- Ela se parece com uma daquelas bonecas de porcelana que eu vi na casa da minha avó. - Jason completou. - Mas é só uma fantasia de halloween.

As meninas andavam uma de cada lado da pequena Emily, vez ou outra tentando puxar assunto, mas a menina se mantinha em silêncio, olhando sempre para frente, segurando Teddy pelo bracinho, fazendo o urso balançar para frente e para trás.

Andaram pelo que pareceu várias horas, as vezes parando para checar a direção no mapa de Jasmine e então continuando a caminhar. A noite ficava mais fria, o vento mais forte e as ruas mais desertas.

- Certo. - Jasmine parou com o mapa na mão. - A rua é esta. Precisamos encontrar o número 137.

- Cara, não sinto meus pés. - Jason sentou na calçada. - Parece que andamos por dias.

- Foram só cinquenta minutos. - Anne o levantou. - Vamos, falta pouco.

- Nunca estive nessa parte da cidade antes. - Alex olhava em volta pela rua escura. - É meio sinistra.

Jasmine dobrou o mapa e o guardou na bolsa, parando para olhar para a criança que não estava mais ali.

- Hey! Cadê a Emily?

- Ah, ótimo! Perdemos a menina perdida!

- Emily! Emily! - Anne chamava e só parou quando Alex apontou mais a diante na rua.

- Aquele fantasmagórico vulto branco sinistro só pode ser ela.

Os quatro correram até alcançar Emily que andava lentamente pelo meio da rua. Quando Alex a segurou pela mão e puxou para calçada, Emily se soltou com força, encolhendo em um canto e abraçando o urso enquanto Alex parecia ter visto um zumbi.

- Ela está gelada. Tão gelada quanto um bloco de gelo no inverno.

- É o vento frio, e ela está descalça. - Jasmine se apressou em acalmar o irmão, ou talvez a si mesma. - Vamos logo deixá-la em casa. Venha, Emily.

Seguiram a rua observando os números das casas até parar em frente a uma grande casa antiga com o número 137 pintado no muro externo.

- Emily, certeza que essa é sua casa? - Anne forçava o sorriso. - Talvez você tenha se mudado e não trocou a etiqueta do seu urso.

A criança olhou fundo nos olhos de Anne a ponto de fazer a garota se arrepiar, então empurrou o portão de ferro que se abriu com um rangido e correu para dentro do quintal sem dizer nada.

- Ninguém pode morar nesse lugar. - Jasmine esfregava os próprios braços com o vento frio. - Está abandonado.

- Talvez seja a melhor decoração de halloween de todos os tempos.

- Temos que achar essa menina. Ela pode se machucar aí dentro. - Jason empurrou mais o portão e os quatro entraram.

Um jardim crescido e cheio de ervas daninhas encobria um caminho de pedra até a entrada. Cinco degraus de mármore sujo subiam até uma varanda deteriorada e uma porta de madeira desgastada que agora estava aberta.

- Ah, cara! Não me diga que ela entrou na casa! - Alex tentava esconder o medo.

- Emily? - Anne gritou pelo vão da porta. Sem resposta.

Jasmine, Alex e Anne gritaram de susto quando algo se quebrou atrás deles. Se viraram para ver Jason que andara de costas até bater em um vaso de barro que agora estava despedaçado no chão. "Medo" era o mínimo que se podia dizer da expressão do garoto.

- O que foi? - Anne estava prestes a começar a chorar.

Jason ergueu a mão trêmula e apontou para a caixa de correios presa à parede ao lado da porta. Sob teias de aranha e poeira vinha entalhado o nome da família dona da casa.

- Holbrook? - Alex leu. - Que droga isso tem de mais?

- Essa é a casa Holbrook? - Anne se afastou da porta.

- O que vocês estão dizendo, afinal? - Jasmine questionou.

Jason tirou os olhos arregalados da caixa de correio e olhou para os amigos.

- Todos conhecem a história. Antigamente uma senhora morava com três filhos enquanto o marido estava na guerra. Um dia ela recebeu um telegrama de que seu marido havia morrido em batalha. - Jason parou.

- Nesse dia a mulher enlouqueceu. - Anne seguiu contando. - Com uma faca de carne ela matou os próprios filhos. Por causa dos gritos das crianças os vizinhos chamaram a polícia.

- Quando os policiais entraram na casa, havia sangue para todos os lados e a senhora Holbrook estava na cozinha, cantarolando e cortando algo como se estivesse preparando o jantar. - Jason respirou fundo e continuou. - Assim que os policiais chegaram mais perto viram que ela estava cortando pedaços dos próprios filhos em cima da mesa.

- Os policiais mandaram ela se afastar e disseram que ela estava presa, mas assim que ela se virou para eles...

- O que aconteceu? - Jasmine perguntou, olhando para Anne.

- Ela estava sorrindo. Coberta de sangue dos filhos, e sorrindo. - Anne disse. – Então ela se matou, ali mesmo, passando a faca no próprio pescoço.

Os quatro ficaram em silêncio, absorvendo a história e deixando o medo estampado em seus rostos.

- Temos que achar essa menina. - Alex se fazia de valente e rumava para a porta que balançava com o vento.

- Eu não vou entrar nessa casa! - Jasmine protestou.

- Certo. Tenho certeza que Jason virá comigo. Ele não é uma menina medrosa. - Alex deu as costas. - Vocês duas podem ficar aí. Sozinhas.

- É melhor irmos todos juntos. - Anne se agarrou ao braço de Jasmine e seguiu os meninos de perto.

O interior da casa estava escuro, mas os quatro logo pegaram as lanternas e começaram a apontar para todos os lados. Poeira cobria tudo. Móveis sob lençóis, um piano velho no canto, castiçais sobre a lareira. A típica casa de filme de terror. E nem sinal de Emily.

Um som pesado chamou a atenção dos quatro que viraram suas lanternas para o final do corredor.

- Vamos. - Alex sussurrou puxando a irmã pela mão, mas Jasmine resistia.

- Não! Eu não vou entrar na cozinha!

- Emily pode estar lá. - Anne mantinha a voz baixa, ficando mais perto de Jason.

De novo a pancada forte que fez o grupo prender a respiração.

Chegaram até a cozinha e não havia nem sinal da pequena menina, apenas uma janela que batia vez ou outra com a força do vento.

- Foi aqui. - Jason olhava para a mesa de madeira podre no centro do cômodo. - Foi nessa mesa que a senhora Holbrook despedaçou os filhos.

- Vamos sair daqui! - Anne choramingou.

Passos pesados de alguém correndo no andar de cima os fez congelar e virar suas lanternas para o teto.

- Deve ser essa pirralha pregando uma peça na gente. - Alex apontou a luz para o corredor de volta para a sala. - Vamos.

Jason parou na sala e o grupo fez uma roda apertada.

- Tinha uma escada na cozinha. Se todos subirmos ela pode descer correndo por ali e continuar fugindo da gente.

- Qual o seu plano? - Jasmine parecia irônica. - Nos separar, Scooby-Doo?

Jason fez cara feia para a menina, mas continuou a falar.

- É a forma mais rápida de achar a Emily e todos sairmos dessa casa. - Apontou com a luz pelas direções da casa. - Alex e Jasmine, olhem lá em cima. Anne e eu ficaremos aqui em baixo, caso ela tente correr.

Assim fizeram.

Jasmine se agarrava ao braço do irmão como se sua vida dependesse disso e Alex subia com cautela, ciente da madeira do assoalho rangendo pesada conforme eles andavam.

O andar de cima estava ainda mais escuro. Suas lanternas mostravam apenas um longo corredor sujo com quatro portas fechadas. Alex apoiou a mão na maçaneta da primeira porta, olhou para a irmã e contou até três aos sussurros antes de abrir a porta com força.

O vento provocado pela porta levantou toda a poeira e encobriu a visão dos gêmeos por um instante, antes de revelar um banheiro vazio, a não ser por dois ratos mortos na banheira.

Seguiram pelo corredor e abriram a segunda porta, com mais calma. Um quarto. A julgar pela mobília e carrinhos de madeira espalhados pelo chão, era o quarto de dois meninos, mas além da sujeira do tempo o quarto estava deserto.

Passaram pela terceira porta, um quarto com uma cama de casal que deveria pertencer a senhora Holbrook, e nada de Emily. Sobrava então a última porta.

Alex já estava com a mão na maçaneta quando Jasmine apertou seu braço com força e o fez se virar.

- Você fechou a porta do banheiro depois que estivemos lá?

- Não. - Alex direcionou o olhar pelo corredor com a lanterna até a porta fechada do banheiro. Sentiu os cabelos de sua nuca arrepiarem.

- Se tivesse sido o vento ou a Emily nós teríamos ouvido o barulho dela fechando, não é? - Jasmine lacrimejava.

- Ela só pode estar nessa porta. Além daqui só tem a escada para o andar de baixo e os outros teriam avisado se ela tivesse descido. - Alex girou a maçaneta. - Vamos sair logo daqui com essa pirralha.

O último quarto era de menina. Cheio de bonecas de pano e bichos de pelúcia. Alex e Jasmine entraram no quarto, vasculhando cada canto atrás da pequena Emily. Não havia ninguém sob a cama ou dentro do armário. Nada além de bonecas no baú de brinquedos. Apenas sujeira atrás das cortinas.

Os gêmeos estavam tão ocupados vasculhando o quarto que não notaram o vulto em pé bloqueando a porta. Não o vulto de uma criança de cinco anos, mas um vulto alto, magro e com um reluzente objeto em uma das mãos.

No andar de baixo Anne remexia nos lençóis sobre os móveis, se perguntando se Emily estaria escondida por ali. Jason alternava a lanterna entre a escada da sala e o corredor da cozinha, prestando atenção caso a menina passasse correndo.

- Vocês querem brincar?

A voz veio do centro da sala, bem próxima a Jason que no susto cambaleou para trás se chocando com a lareira. Para tentar evitar a queda, Jason brandiu as mãos no ar e se agarrou a um lençol empoeirado que caiu sobre sua cabeça.

- Droga! De onde essa menina veio? - Ele lutou para tirar o lençol da cabeça, mas a menina não estava mais na sala. - Emily!

Só então se deu conta do olhar apavorado de Anne e das lágrimas silenciosas em seu rosto. Seus olhos focavam um ponto ao alto de onde ele próprio estava e teve que se levantar para acompanhar o olhar da amiga.

O lençol que ele havia puxado estivera até então servindo de cobertura para um enorme quadro sobre a lareira. O tipo de quadro familiar comum antigamente. Na imagem um homem ao fundo estava em pé, imponente em um uniforme militar. Sentada a sua frente, uma mulher jovem e elegante com um sorriso enigmático. De cada lado dela havia um garoto com expressão de puro tédio. Mas o que chamou a atenção foi a quinta pessoa na pintura. Sentada aos pés da senhora, com um bonito vestido branco e abraçada a um urso de pelúcia estava uma menina de cinco anos de longos cabelos pretos.

- Emily... - Um flash da etiqueta do urso de pelúcia invadiu a mente de Anne. "Emily H." - ... Holbrook

Um insistente som começou na cozinha. Batidas baixas e compassadas, o tipo de som que ouvimos quando nossas mães estão cortando coisas para o jantar. Jason e Anne apontaram suas lanternas para a cozinha vazia e escura, mas o som continuava.

- Vocês querem brincar?

Ambos se viraram para encara Emily, mas Anne gritou. Ela estava ali, com seu vestido branco ensopado de sangue que escorreu de seu rosto através de um profundo buraco negro onde costumava estar seu olho direito.

Pela primeira vez ela sorria. Um sorriso doentio e torto que só servia para enfatizar o buraco em seu rosto, causado pela faca que a mãe lhe enterrara no crânio através do olho, cinquenta anos antes.

Barrados pela menina morta que esticava suas mãozinhas cheia de sangue para os dois, Jason e Anne correram para o único lugar que podiam. A cozinha. Pararam na entrada do cômodo e olharam pelo corredor esperando ver Emily os seguindo, mas a menina havia desaparecido.

Um cantarolar começou atrás deles e viraram a lanterna com rapidez. Um vulto alto e magro estava de costas para os dois. Usava um vestido longo e escuro sob um avental de cozinha. O cabelo escuro estava bagunçado e não deixava dúvidas de que era uma mulher. Ela cantarolava e batia a faca sob a mesa, com seu corpo encobrindo o que quer que fosse que estivesse cortando.

A mulher parecia ignorar a presença do dois abaixados no canto e seguia cantando e cortando. Quando algo caiu da mesa com um baque surdo no chão, Anne moveu a lanterna para ver o pedaço de carne no chão. Gritou com toda a força ao notar os dedos de belas unhas pintadas de rosa brilhante na mão decepada que antes estivera ligada ao braço de Jasmine.

Com o grito de Anne a mulher parecia enfim tê-los notado e a faca parou. Ela se virou rápido frente ao feixe de luz da lanterna de Jason, expondo o sorriso cruel e o comprido corte aberto em sua garganta por onde escorria sangue, as vezes espirrando quando ela insistia em cantarolar.

Quando a senhora Holbrook se moveu, Jason e Anne puderam ter uma visão melhor da mesa e dos vários pedaços que sobraram de seus melhores amigos.

Jason chorava, mas tentou se manter firme. Agarrou a mão de Anne e a puxou para longe da cozinha, correndo em direção a saída.

- Jason! - A voz de Anne veio da cozinha, acompanhada por um grito.

Só então o garoto notou que a mão que segurava, já na sala, estava fria. Fria demais. Soltou rapidamente e virou a luz de sua lanterna para se deparar com um garoto de mais ou menos a mesma idade que ele, com a boca costurada de forma grosseira e sem um bom pedaço do pescoço. O mesmo garoto emburrado da pintura logo atrás deles. O segundo filho da família Holbrook.

Antes que pudesse reagir de alguma forma, pesadas mãos sem dedos caíram sobre seus ombros, o empurrando para dentro. Jason olhou sobre o ombro para um garoto um pouco mais velho, de olhos arrancados e as laterais da boca cortadas fundo em um macabro sorriso eterno.

Os dois garotos mortos empurraram Jason de volta até a cozinha onde Anne já não podia mais gritar depois que uma longa faca fora enterrada por um dos lados de seu pescoço até sair pelo outro.

Os gritos de Jason foram a última coisa a ser ouvida na mansão Holbrook naquela noite.

Dois anos depois...

Um grupo de adolescente de cerca de quinze anos corria pela cidade atirando rolos de papel higiênico sobre as casas, rindo, gritando e dividindo entre si uma garrafa de bebida alcoólica rouba dos pais de um deles.

Sentaram sobre o muro baixo do parque ainda rindo e se empurrando, falando alto e comemorando o halloween. Um deles se assustou quando o vento jogou contra seu rosto um pedaço de papel velho.

- Que porcaria é essa? - Os outros riam de seu susto enquanto o jovem olhava o papel.

- É um daqueles cartazes de pessoas desaparecidas. - Uma das garotas olhava de perto. - Outro daquelas quatro crianças que sumiram há dois anos.

- Olha, se não acharam eles até hoje, pode crer que nunca mais vão achar. - Concluía um terceiro virando um grande gole de bebida direto da garrafa.

O grupo deu de ombros e o garoto amassou o cartaz jogando a bolinha de papel no cesto de lixo. A bolinha deu duas voltas no aro e caiu para fora, dando início a uma onda de risadas e provocações sobre o garoto ser um péssimo jogador.

Pararam de rir quando um rangido metálico chamou a atenção de todos. Se viraram para o parquinho logo atrás onde o gira-gira se movia lentamente enquanto uma garota pequena dava impulso com pés descalços. Ela usava um comprido vestido branco que poderia ser confundido com aquelas camisolas antigas, e um felpudo urso de pelúcia estava sentado ao seu lado. O vento jogava os longos cabelos pretos sobre o rosto da menina, mas, mesmo assim, sua palidez quase absorvia o branco do vestido, a não ser pelo contorno dos olhos que pareciam escuros de olheiras...

- Vocês querem brincar?

contos de terror

Sandra Vieira Fragoso

Biografia

Silvia Vieira Fragoso - Nascida em São Paulo – Capital em 1991, teve sua primeira publicação impressa, o conto “Esquecidos” na antologia “S.O.S – A Maldição do Titanic”, em 2012. Participou de diversas antologias desde então, tendo sido inclusive a organizadora da antologia “Vírus Z – Apocalipse Zumbi” em 2014. Desde então vem trabalhando em projetos solo, sem deixar de lado suas aparições em antologias. Também assina suas obras sob o pseudônimo “Sisa Delamari”. Mais sobre a autora em: http://sisafragoso.wix.com/escritora.

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