Conto - Alimentando a Morte.

Giuseppe - Prisioneiro da Eternidade

Bem vindo visitante do prisioneiro.
Apresento a você meu primeiro conto para 2014, o ano em que o blog completa nada menos que oito anos de existência.
Espero que aprecie a história.

Giuseppe chegou ao Brasil ainda criança, junto com seus pais e três irmãos, todos mais velhos.
Há quase cinquenta anos atrás a vida era bem diferente da atual e as oportunidades oferecidas aos imigrantes não eram tão grandes. Ganhar a vida era bem mais difícil.
Estudou pouco, o básico para se familiarizar com a língua local e ter razoáveis noções de matemática, não por desleixo dos pais, mas pela necessidade de trabalhar.
Cansado de trabalhos extenuantes e que ofereciam pouco dinheiro seu pai decidiu começar a comercializar uma antiga receita de família: linguiças artesanais.
No começo elas eram feitas na cozinha da família e era vendidas aos açougues e mercearias das redondezas, mas para sorte deles as receitas fizeram tanto sucesso que eles decidiram montar um negócio próprio e vendê-las eles mesmos.
A vida deixou de ser tão difícil, mas eles ainda se dedicavam à produção de embutidos com o mesmo amor do início.  
Assim que chegou à idade adulta Giuseppe casou-se com Ermínia e após alguns anos eles já tinham um casal de filhos: Enrico e Ana.
A vida seguiu e o tempo levou embora seus pais, já então idosos, de forma que o negócio familiar ficou sob a responsabilidade dele e dos irmãos.
Mas Giuseppe acabou ficando sozinho no Brasil, impedido de seguir os passos dos irmãos que voltaram para a Itália. Ermínia não quis partir e deixar para trás seu familiares.
O italiano acabou se mudando para um novo bairro e, na casa ao lado da que passou a residir, abriu seu próprio comércio de linguiças artesanais.
O negócio começou a prosperar de uma forma que ele nunca imaginou e, graças ao sucesso das receitas que seu pai lhe deixara, o padrão de vida da família melhorou consideravelmente.
Seus produtos eram comprados pelos mais refinados restaurantes da cidade devido à sua qualidade diferenciada, o que acabou por elevar consideravelmente seu valor.
O tempo passou e seus filhos já estavam quase indo para a faculdade quando uma desgraça se abateu sobre a família.
Certo dia, quando Giuseppe e o filho fechavam o comércio e se preparavam para mais uma noite de descanso, três homens os abordaram e seguiram com eles até sua casa, logo ao lado.
Inicialmente pareciam estar interessados apenas no dinheiro, mas assim que os bandidos se depararam com sua esposa e sua filha um olhar ainda mais demoníaco se apossou deles.
Já de posse do dinheiro e das jóias eles passaram a molestar as duas.
Giuseppe implorou para que fossem embora e os deixassem em paz, mas a ânsia maligna dos homens parecia insaciável e o pobre italiano acabou sendo agredido pelos três.
Enrico, enfurecido, partiu em defesa da família e acabou sendo espancado impiedosamente até que desabou inerte.
Amarrado, machucado e humilhado por ser incapaz de defender a própria família, Giuseppe assistiu esposa e filha serem estupradas, espancadas e mortas cruelmente.
Enrico, com um tiro no rosto, foi o último a morrer.
Giuseppe nunca esqueceria o olhar de escárnio do bandido no instante em que ele puxou o gatilho.
Quase um dia se passou até que um dos vizinhos veio em seu socorro, estranhando o fato de o comércio não ter sido aberto.
O caso foi noticiado pelos jornais e Giuseppe foi amparado pelos inúmeros amigos que fizera ao longo da vida.
Bem sucedido como nunca acreditou um dia ser, Giuseppe não tinha o que mais amava: a família.
Por mais dinheiro que ele pudesse ter ele seria incapaz de trazê-los de volta.
Só lhe restara o comércio, que já não mais lhe despertava a paixão de outrora.
O tempo foi passando e a polícia não dava conta de encontrar os assassinos de sua família, até que um dia Giuseppe, que sempre fora um homem sereno e amável, acabou explodindo.
Na delegacia responsável pelas investigações ele se queixou com o delegado sobre uma possível negligência nas investigações, quando teve uma resposta que mudaria, ainda mais, sua vida:
- Vocês gringos vem de fora e querem meter o pau no trabalho da polícia brasileira. Por que não voltam pra terra de vocês já que lá as coisas são melhores? Ou melhor, por que vocês vem pra cá?
Giuseppe não se deu ao trabalho de prosseguir com a discussão, afinal tratava-se de uma autoridade. Insensível e escrota, mas uma autoridade.
Deu desgosto pelo Brasil se tornou tão insuportável que ele decidiu seguir para juntos dos seus, na Itália.
Fecharia o comércio, o venderia e com o dinheiro poderia viver com certo conforto em sua terra natal, onde ao menos não teria mais as lembranças da família pela casa e pela loja, que o feriam como sucessivas punhaladas a todo o momento.
Mas Giuseppe não deixaria barato toda a maldade que fora feita com seus familiares e com a ingratidão das autoridades.
A notícia de que suas linguiças estavam sendo vendidas pela metade do preço se espalhou pela cidade e em dois dias a loja estava vazia.
Porém, antes do estoque terminar, Giuseppe enviou uma generosa quantidade da mais cara de suas linguiças à delegacia.
Seu patrimônio já tinha sido vendido e no dia seguinte Giuseppe embarcou para nunca mais voltar.
A fama das linguiças que produzira por toda sua vida aumentou ainda mais quando inúmera mortes começaram a acontecer logo após sua partida.
Em sua última remessa de embutidos artesanais Giuseppe utilizara um ingrediente especial como presente de despedida: vidro moído.






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