Conto - Por um espírito...


Haveria um espírito de ser perdoado um dia? Poderia ele cansar-se de ser o que se tornou?

Antes eu era otimista em relação a isso, porém alguns anos se passaram desde o dia em que abandonei meu corpo físico e passei para o outro plano. Me tornei um espírito, assim como você também um dia há de se tornar. 

Motorista alcoolizado, alta madrugada, inconseqüência... Meus entes queridos, esposa e filhos, seguiram a ordem natural das coisas: foram para a luz. Já eu, tomado pelo perverso sentimento da vingança, não quis ir com eles.

Antes aquele homem pagaria caro pelo que fizera e a justiça seria feita pelas minhas mãos.

Porém, com o passar do tempo aprendi que como espírito eu era incapaz de satisfazer minha sede de vingança.

Sim, encontrei o miserável, que seguia a vida como se nada tivesse acontecido, mas minhas mãos etéreas eram incapazes de toca-lo. Eu nada podia fazer para que ele pagasse pelo que fez. Fui então tomado pelo ódio, pela ira, pela revolta e pelo rancor... Eu não podia concretizar meus planos de vingança.

Hoje, após anos, ainda não me permitem chegar até minha família. A luz me queima, cega e impede que me aproxime. Estou só, vagando à esmo sem objetivo algum, esperando que algum dia tudo mude, se é que isso há de acontecer.

Estou cansado, e muito, do caminho que escolhi e da dura pena que devo cumprir: presenciar, incógnito e impotente, as mais terríveis coisas que você pode imaginar.

Crimes odiosos, que como um ímã me atraem, arrrastando-me até eles para que os presencie. Talvez seja a minha punição por ter renegado a luz quando ela me foi oferecida.

Assisto a tudo, cada detalhe, ouvindo cada súplica desesperada, cada impropério sádico emitido, vislumbro olhares se apagando e sonhos se desfazendo, sem nada poder fazer além de ser um horrorizado espectador.

Hoje sou nada além de um espírito errante aguardando o dia da minha redenção, se é que ela virá algum dia.


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