Conto - Te Amo Mamãe...



Era impressionante.
Bastava ele se sentar à máquina de escrever e o inferno se iniciava.


Já tinha cumprido com todas suas obrigações para com ela, mas sempre parecia existir algo ainda por fazer. E os gritos começavam.
Bastante idosa a senhora acamada dependia do filho para tudo, inclusive do que ele ganhava como redator em uma revista para ele comprar-lhe os remédios que a mantinham viva, acometida por rara doença degenerativa.
Filho amoroso, jamais se queixou do tormento que ela lhe trazia. Sua mãe, aquela que inúmeras vezes correra com ele para o hospital quando vitimado pela forte alergia pulmonar. Aquela que, mesmo sacrificando algo importante para a casa comprava a mistura que ele tanto pedia, sem imaginar o quanto ela custava.
Sua mãe. Aquela que lhe dera a vida, enfim.
Sua mãe, aquela que quando não era atendida a contento revivia fatos que destroçaram o caráter daquele homem que se via sozinho com ela ouvindo seus impropérios sem jamais retrucar.
Ai sair para a rua ele mal encarava os vizinhos, que a tudo ouviam e certamente cochichavam pelas suas costas sobre o que era esbravejado pela idosa enferma.
Mesmo assim ele tendia ao pedido da idosa mulher e quando finalmente acreditava poder iniciar seu trabalho na velha máquina que tinha sido de seu pai os gritos recomeçavam.
Abatido, ele só conseguia escrever de madrugada, quando sua mãe adormecia.
Interná-la em uma cada para idosos ele não podia, sua renda não lhe permitia. Parentes? Ninguém jamais se oferecera para cuidar dela...
Dia após dia, o tormento prosseguia. Três anos.
Por vezes desejou a morte da mulher, mas seu peito doía de remorso logo em seguida ao dar-se conta do que desejara. Era sua mãe.
Certa noite, ou madrugada visto que o relógio assinalava quase uma da manhã, uma chuva torrencial castigava a cidade e os relâmpagos que iluminavam a noite eram seguidos de trovões que faziam a casa estremecer.
Duas linhas escritas e seu cérebro sonolento tinha dificuldade de trabalhar no texto que tinha de ser entregue no dia que se iniciaria logo mais. Os gritos se iniciaram.
O jovem se encostou na cadeira e fechou os olhos como desejando que aquilo não fosse verdade. Ergueu a cabeça e deu um longo suspiro. Um trovão sacudiu o cômodo e mesmo com forte som da chuva os gritos de sua mãe pareciam ecoar em seu cérebro.
Aguardou alguns instantes desejando que ela adormecesse. Os gritos...
Impropérios terríveis passaram a ser proferidos pela velha ao não ter seus chamados atendidos. Fantasmas que ele imaginava estarem enterrados se manifestaram através da garganta de sua mãe.
Mesmo sendo atencioso durante todos aqueles anos ela ainda o humilhava. Ele, que relegara a si mesmo o direito de ter uma vida para cuidar dela ainda era atormentado por seus gritos e pelas coisas horríveis que ela dizia.
Seus olhos se inundaram de lágrimas e a garganta estreitou-se.
Calmamente ele se levantou. Seus passos abafados pelo som da chuva. Olhos molhados como o chão do quintal. Mãos trêmulas de ódio e ressentimento.
Ele chegou à porta do quarto e lentamente a abriu.
Sua velha mãe enrugada e de cabelos desgrenhados e alvos estava sentada na cama e gesticulava coléricamente como se quisesse aplicar-lhe mais um corretivo como tantos e tantos ela lhe aplicara na infância.
Era provável que palmadas ou beliscões não doessem tanto quanto as terríveis palavras que ela despejava em seus ouvidos e que só não eram ouvidas por toda a vizinhança devido à forte chuva que tudo calava.
A forte chuva que tudo calava, menos os insultos de sua mãe.
A forte chuva que tudo calava...
Ele se aproximou silenciosamente dela como e nada pudesse ouvir e a enraivecida velha tentou agarrá-lo histéricamente. O rapaz esquivou-se e ela caiu no gélido chão.
_Não mamãe. Te amo mamãe. Mas dessa vez não...
No dia seguinte os textos foram entregues dentro do prazo e nunca mais se ouviu naquela casa os gritos da velha senhora.
O rapaz finalmente teria paz para escrever, se sua consciência assim permitisse...



3 comentários:

  1. haha Gostei do conto, muito diferente, beeijos!

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  2. Ótimo conto com direito a continuação. pois está perfeito.

    abraços
    adriano siqueira

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  3. Adoro seus escritos!
    Forte abraço

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