Conto - A Verdadeira Herança.



Imóvel na confortável poltrona que ganhara em uma data comemorativa, seus olhos estavam pregados nas imagens vertiginosas que a televisão exibia. Mas sua mente estava longe dali.


Não ouvia sequer os comentários que sua mãe fazia sobre um assunto ou outro a respeito dos programas que acompanhavam, eles em nada lhe importavam na verdade.


Imerso nas lembranças de um passado não muito distante ele estava alheio a tudo o que ocorria ao seu redor. Rememorava tudo até o dia em que o acidente vascular cerebral o obrigara a permanecer naquele estado, dependendo de outras pessoas para tudo.
O que havia feito da vida? Jamais fora devidamente reconhecido nos trabalhos que teve. Nunca fora valorizado pelo que havia sido, talvez porque nada de valor tenha tido que despertasse a atenção das pessoas. Quem se lembraria dele quando partisse? Havia feito algo para que se lembrassem dele?
Uma lágrima escorreu-lhe pela face paralisada. Ele não era nada.
Jamais acreditara nas promessas que a esposa lhe fizera de que caso algo terrível lhe acontecesse seria devolvido à casa de sua mãe. Mas ela cumprira o prometido e ali estava ele agora.
Rancor, tristeza, amargura e remorso. Era tudo o que preenchia seu coração.
Se tivesse autonomia ao menos para isso certamente daria cabo de sua vida. Uma vida inútil e vazia.
Mergulhado em tais pensamentos não notou que alguém batera à porta. Os acontecimentos eram revividos como se fossem o presente e ele vasculhava suas lembranças na tentativa de encontrar seus erros.
Deu-se conta então do que era realmente quando alegremente um menino de cinco anos tocou-lhe a mão imóvel que pendia ao lado da poltrona.
Ele era tudo, ele era pai. E ao constatar isso seu espírito pôde finalmente descansar em paz.

*Especial para o Dia dos Pais.

Um comentário:

  1. eu achei emocionante. perdi meu pai a quase dois anos, deus sabe o quanto sinto a falta dele.

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