Conto - Ingratidão.




Nada é para sempre.

A vida mostrou-me isso, mas será que estou mesmo certo?


Sempre que meu trabalho permitia lá estava minha casa repleta de amigos e familiares.

Churrascos, almoços, confraternizações, aniversários, festas de final de ano...

Minha casa sempre era o palco das animadas reuniões que eu promovia.

Jamais houve a necessidade de alguém tirar um só centavo do bolso, graças ao meu bom emprego eu podia arcar com todas as despesas e nunca permiti que isso acontecesse, a festa era minha e era eu quem deveria pagar por ela.
Meus filhos sempre adulados por todos. Presentes, brincadeiras e toda a espécie de mimos lhes eram dispensados pelos que freqüentavam nossa casa. Eram crianças felizes.
Minha esposa, fruto do meu segundo casamento, sempre estava sorridente e jamais se queixou do possível trabalho que organizar aquelas festas poderia lhe dar. A maioria era a família dela até mesmo porque a minha estava muito longe dali, em terras distantes do outro lado do mundo.
Muita comida, bebida, música, piadas e tudo o que pudesse trazer alegria aos presentes.
Até mesmo um ou outro que eu sabia não simpatizar comigo comparecia a essas festas. Mas não me importava, me enchia os olhos ver minha casa cheia, o centro da família. Eu era invejado, e isso me agradava muito.
Residência vistosa, porém alugada. Isso jamais me incomodou, meu próspero emprego me permitia esse luxo. Nunca pensei no dia seguinte, o que importava era o presente. Morávamos razoavelmente bem e tínhamos uma vida confortável, isso me bastava.
Fiz por alguns o que talvez somente um pai faria, e que a vida não me permitiu fazer pelos meus próprios. Meus meninos.
Hoje, amargurado, vejo o quanto errei.
Meus filhos jamais puderam cursar o ensino superior, começaram a trabalhar ainda na adolescência, e minha esposa teve que trabalhar em empregos simples para terminar de cuidar tanto dela quanto dos meus meninos até que fossem capazes de trilhar seus próprios caminhos.
Onde estariam aqueles que sempre nos visitaram nas festas? Por que não lhes ajudaram quando houve a necessidade? Por que os ignoraram? Sei bem onde estavam: cuidando de suas próprias vidas.
Casamentos ou aniversários? Não, ninguém jamais se lembrou dos meus meninos ou da minha esposa. Sequer um telefonema para saber se estavam ou não bem. Não mereciam mais atenção uma vez que não tinham mais nada a oferecer.
Por que não percebi isso tudo antes?
Porque eu acreditava que aquilo tudo era para sempre e que os dias de fartura jamais cessariam.
Como me enganei.
Ao ser acometido por aquela rara e misteriosa doença, pouquíssimos foram os que dedicaram seu tempo a me visitar na clínica onde fiquei internado. Permaneci ali por quase dois anos. Definhava lentamente.
Não culpo meus filhos ou esposa por terem me deixado naquele lugar. Sempre que possível, normalmente uma vez por mês, recebia sua visita.
Ainda que distante da minha verdadeira família ao menos eu era bem cuidado e minha permanência naquele lugar permitia a eles poderem tratar de suas próprias vidas.
Porque cuidar de um doente que jamais se preocupou com seu futuro? Nada mais justo. O orgulho que ainda restava em mim fazia com que eu não desejasse ser um fardo a ser carregado.
Pouco a pouco a capacidade de falar me foi sendo tirada, assim como a coordenação motora.
Um dos meus olhos deixou de me ser útil, apagando-se por completo.
Com o remorso me corroendo a alma eu queria lhes pedir perdão, mas eles não mais entendiam o que eu tentava lhes dizer e seus sorrisos amarelos indicavam o quão desagradável lhes era aquela situação.
Isolado do mundo a verdade passou a me ser revelada. Finalmente, liberto de tudo aquilo que pareceu me entorpecer a mente e vendar meus olhos para a realidade, eu fui percebendo a cruel verdade de tudo.
Momentos felizes, sim, e muitos. Porém, a amargura que então passou a me consumir dilacerou todos aquelas lembranças pretéritas.
Tapinhas nas costas, sorrisos falsos... Miseráveis.
Finalmente meu débil corpo foi derrotado pela doença e somente meus meninos, minha esposa e poucos familiares apareceram para se despedir do que restara de mim.
Onde estavam aqueles que sempre nos visitaram e não perdiam uma festa sequer? Alguns, na praia, quando uma hora de viagem os traria, sequer se preocuparam em subir a serra. Para transpor cinco horas de viagem até meus churrascos o tempo jamais fora obstáculo. Esse foi o agradecimento que obtive por tudo que lhes fiz.
Hoje aqui estou eu, impedido de seguir meu destino rumo à eternidade. Acorrentado pelo rancor que me consome.
Não mais limitado pelo corpo debilitado e das imposições que a carne me impunha, mas livre como um anjo nefasto que se alimenta do ódio.
Estou tentando consertar as coisas, da minha maneira. Não sei se é a correta, mas é a única de que disponho e que me alegra.
Se através do amor não fui reconhecido por aqueles com quem tanto me preocupei, talvez através do meu ódio eles o façam.
Crises conjugais, doenças, dificuldades financeiras, alcoolismo... Talvez eles sequer imaginem que eu os esteja a influenciar nisso tudo, mas ao menos sano minha sede de vingança.
Estaria eu errado em agir assim? Muitos dirão que sim, certamente, mas não me preocupo mais com isso.
Se fazendo o bem fui retribuído com a indiferença e a ingratidão, o que de pior eu posso receber fazendo o que faço agora?
Meus filhos nada fazem graças à índole que possuem, e nem seria meu desejo que o fizessem. Resignados eles aceitam a vida pouco confortável que possuem. Não erraram no passado e não quero que errem agora.
Se os erros foram cometidos por mim, sou o responsável por limpar toda a sujeira, e não eles.
Por que a justiça divina permitiu que eu, que sempre fiz o bem a todos, fosse recompensado dessa forma? Onde está a recompensa em ser transformado de um homem sempre bondoso em uma criatura amargurada que anseia por dor?
Por vezes ainda ouço comentários onde ainda me fazem passar por burro, otário e ingênuo, mesmos após tudo o que fiz por eles.
Talvez o que mais me doa nem seja o descaso por mim, mas sim pela minha família. Se não tinham apreço algum pela minha pessoa, pelo motivo que fosse, que culpa meus meninos e minha esposa tem?
Mas eles estão pagando por tudo e assim o continuarão até que meu ódio se esgote um dia.
Essa certeza, sim garanto que possuo: meu ódio é eterno.
O preço a ser pago por todas as festas que freqüentaram será bastante elevado.


3 comentários:

  1. Uma história que me é bem familiar...

    Na vida real não há como se vingar após a partida.

    Infelizmente...

    ResponderExcluir
  2. Esse texto é um aviso para aqueles que ainda se deixam deslumbrar pelas falsas amizades.
    Bom texto, Oscar!

    ResponderExcluir

Deixe seu comentário.