Conto - Alianças Eternas.



“Eram o casal perfeito”, essa era a opinião de todos que conheciam aquele jovem e cativante casal.

O amor e a paixão nasceram desde o primeiro momento em que se viram e não demorou muito para que marcassem o casamento. Cidade pequena, namoro e noivado não costumavam se prolongar para evitar o maldizer do povo, embora o desejo de unirem-se o quanto antes era evidente em ambos.
Eram como almas gêmeas e tinham a absoluta certeza de que o amor que nutriam um pelo outro era eterno e não se cansavam de dizer isso um ao outro no enleve de casal apaixonado às vésperas do matrimônio.
Tudo correu como o planejado. A festa, a viajem de núpcias... tudo havia sido perfeito. O casamento foi o evento do ano daquela pacata cidade do interior.
Cada qual com seus sonhos e desejos e ainda assim tudo se entrelaçava de forma que caminhavam juntos e felizes rumo à um futuro próspero. Era como se tivessem planejado suas vidas já combinando um com o outro. Como se já se conhecessem e soubessem que estariam juntos um dia. Realmente havia algo especial entre eles.
Era evidente que por vezes surgiam algumas diferenças, mas nada muito grave que pudesse abalar o relacionamento. Sempre existem diferenças. Beto tinha o hábito de jogar futebol com os amigos nos finais de semana, o que não agradava de todo sua companheira, Hellen, mas que com o tempo passou a relevar esse fato assim como seu companheiro acostumou-se a acordar no meio da noite vendo a esposa levantar-se para trancar a porta do quarto devido à ter se esquecido de fazê-lo ao deitar-se.
Toalha molhada encima da cama, tubo de creme dental deformado, futebol ao invés da novela e etc. Coisas normais a qualquer casal.
De início tais costumes causavam irritação aos jovens, mas com o tempo acabaram por acostumar-se à eles e já lhes não davam mais importância.
Alguns anos se passaram desde a cerimônia religiosa que os unira e tudo corria maravilhosamente. Familiares e amigos sempre lhes indagavam a respeito da receita utilizada para que mantivessem um casamento tão sólido, feliz e próspero e a resposta era sempre a mesma: “Almas gêmeas são assim mesmo, quando uma pessoa nasce para a outra, não há motivos para desentendimentos.” Nem todos acreditavam nisso, almas gêmeas, mas não conseguiam a tal “receita”, se é que ela realmente existia.
Eram invejados, tanto no bom quanto no mal sentido, mas nada parecia ser capaz de abalar a relação e eles pouco se importavam com as fofocas que por vezes surgiam. Fato normal às cidades pequenas, cuidar um da vida do outro.
Cinco anos haviam se passado até que tocou o telefone no trabalho de Beto e foi-lhe dada a terrível notícia: Hellen havia se acidentado na rodovia que levava à cidade vizinha e estava entre a vida e a morte no hospital de tal cidade, maior e melhor aparelhado.
Foram duas semanas angustiantes e durante todo esse tempo Beto esteve ao lado do leito de sua amada jurando-lhe amor eterno. Inúmeras vezes foram as que ele, entre lágrimas, jurou-lhe amor e fidelidade eternos, comovendo à todos que presenciavam tais momentos. Infelizmente ela não resistiu e veio a falecer.
A pequena cidade parou. Ninguém acreditava em como um casal tão feliz e unido pudesse se separar de maneira tão trágica. Blasfêmias foram proferidas até mesmo pelos mais religiosos diante de tal acontecimento, mas infelizmente nada podia ser feito para mudar a realidade da situação.
Beto emagreceu, empalideceu e pareceu perder a vontade de viver. Hellen era para ele como o ar, como o complemento da sua alma, segundo suas próprias palavras. A cor de sua pele desapareceu e o brilho em seus olhos apagou. Sozinho na casa que comprara para viver junto de sua amada ele seguia dia a pós dia sem saber o que ainda podia desejar de sua vida.
As atividades profissionais que tão brilhantemente ele executava passaram a ser desempenhadas por simples obrigação e seu sucesso profissional, antes dado como certo, agora era duvidoso.
Ao deitar Beto pegava-se admirando a aliança que ainda carregava em sua mão esquerda e lágrimas rolavam pelo seu rosto quando se recordava dos tempos em que, a qualquer momento, Hellen se levantaria da cama para trancar a porta do quarto. “É pra evitar que algo ruim entre aqui”, dizia ela, onde Beto respondia rindo “Ou saia né?”. Seu coração apertava e banhado em lágrimas saudosas ele adormecia.
Seus amigos e familiares compadeciam-se de seu estado. O rapaz sofria, era um espectro diante do que fora anteriormente e nada do que dissessem ou fizessem parecia ser capaz de mudar seu ânimo para com a vida.
Um ano se passou e como por encanto, um certo dia, Beto pareceu renascer para a vida. O trabalho que executava mecanicamente passou a ter mais uma vez o brilho de outrora. Ainda que timidamente, passou a sorrir novamente. O velho Beto estava de volta.
Ninguém sabia dizer, ainda, o motivo de tal mudança, porém os mais maldosos a atribuíam à chegada de uma bela jovem à cidade.
Seu nome era Yolanda e era unânime a opinião de que tratava-se de uma bela mulher. Vinda da cidade grande, ela era diferente das meninas locais tanto no modo de pensar quanto no de agir. Não que fosse vulgar, era apenas diferente.
Era fato de que não havia um solteirão na cidade que não pleiteasse conquistar o coração da bela mulher, mas quis o destino que os caminhos dela se cruzassem com os do viúvo Beto.
Inevitavelmente os dois se aproximaram, obra do destino, ainda com Beto usando a aliança que selara seu amor para com Hellen. O fato causava a revolta das pessoas, mas o rapaz estava tão empolgado com sua nova paixão que não se dava conta do objeto que ainda trazia em seu dedo e do significado que ele trazia.
Mais e mais os sentimentos entre os dois aumentava e chegou o dia em que finalmente Beto guardou a aliança em uma bela caixinha de jóias na gaveta da cômoda de seu quarto como se naquele instante sepultasse para sempre o amor que um dia sentira por Hellen.
Beto e Yolanda não escondiam de ninguém a relação que mantinham e as pessoas estavam até mesmo felizes em ver que o jovem inteligente e saudável tivesse voltado à viver, mesmo que a causadora do seu renascimento tivesse sido uma forasteira que eles mal conheciam.
Certa noite, ao chegar em casa, Beto adentrou seu quarto e se deparou com a gaveta da cômoda aberta. Ele averiguou o conteúdo da caixa de jóias cogitando tratar-se de um assalto mas tudo estava intacto, somente a gaveta estava aberta. Sentiu um estranho arrepio subir-lhe pela espinha ao constatar que não havia a possibilidade de alguém tê-la aberto já que a casa não tinha qualquer sinal de arrombamento e era certo de que ele não havia mexido ali, até mesmo porque já havia se esquecido completamente da aliança que ali estava guardada. O fato era bastante estranho.
Por mais duas vezes o mesmo ocorreu e Beto começou a se preocupar com o ocorrido embora não comentasse com ninguém a respeito dele para evitar que as pessoas pudessem pensar besteiras. Não podia permitir que algo do tipo pudesse pôr em dúvida suas faculdades mentais e atrapalhar seu progresso profissional. Era estranho, por certo, mas não havia explicação lógica para aquilo e mesmo assustado Beto preferiu guardar segredo.
Certo dia, após a festa de aniversário de um primo seu, Beto finalmente levou Yolanda à sua casa para terem sua primeira noite de amor.
Talvez se a bebida não lhe afetasse os neurônios ele jamais fizesse tal coisa visto que, mesmo tendo esquecido o amor por Hellen, ainda nutria certo respeito pela jovem falecida.
Toda a casa havia sido decorada de acordo com o gosto da finada. Tudo tinha seu toque, sua delicadeza e doçura, mesmo que Beto não notasse mais isso. O encanto que Yolanda lhe impunha o cegava totalmente e qualquer um que já a tivesse visto entenderia o motivo de tal vislumbramento.
Corpos unidos em um enlace de paixão e suor. A volúpia insaciável de Yolanda certamente seria motivo de desejo para qualquer homem e as horas de amor que se seguiram foram dignas de um conto à parte...
Mas quando Beto pronunciou a derradeira frase que finalizou a relação um estrondo foi ouvido na escuridão do quarto. “Te amarei para sempre Yolanda”.
Extasiado o casal não se deu conta do forte som, que lembrava o de uma porta batendo com força e a exaustão devido às horas de prazer acabou por vencê-los fazendo com que Beto e Yolanda adormecessem abraçados.
“Te amarei para sempre Yolanda”. A frase ecoou através do conturbado sonho que Beto estava tendo até o momento em que despertou assustado com os gritos de Yolanda que, nua ao seu lado, tentava se proteger das imensas chamas que haviam tomado o cômodo.
Beto, abraçado à jovem e tentando protegê-los das labaredas, correu até a porta que era o único meio de escaparem da morte certa.
Yolanda morreu carbonizada.
Beto falecera antes, vítima de um infarto do miocárdio causado pelas derradeiras três visões que teve: a gaveta da cômoda novamente aberta, a porta do quarto que, sem explicação, se encontrava trancada e sem a chave e o vulto de Hellen que, sentada à beira da cama, por entre as chamas, fitava-o com os olhos emanando ódio e desapontamento.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário.