Conto - Caçada Noturna.


Saudações visitante do blog.

Venho postar mais um conto, recém criado, e que é ambientalizado no centro velho da cidade de São Paulo.

Espero que aprecie a leitura.

Um abraço.


Ocorria já há várias semanas, mas as autoridades pareciam pouco se importar com tão funestos acontecimentos, uma vez que por aquelas imediações perambulavam pessoas à margem da sociedade, na sua grande maioria.

Muitos indícios faziam crêr que naquela noite mais alguém seria vitimado na praça. Vitimadas não por algum dos dependentes químicos que vagavam pelos arredores em busca da eterna satisfação do seu vício, mas por uma criatura que costumava povoar os pesadelos, e em alguns casos os corações, de um incontável número de pessoas.

As autoridades, ainda que quisessem (o que não acontecia), certamente seriam incapazes de pôr um fim àquilo, mas havia alguém que possuía experiência o bastante para fazê-lo.

Trajando sua roupa bastante incomum aquele rapaz caminhava lentamente por entre o cimento e as árvores daquele espaçoso local, como se procurasse por alguma coisa. Seu olhar atento buscava algum sinal de movimento, uma pista que o fizesse obter êxito naquela caçada.

Do alto de um enorme monumento de concreto a gigantesca estátua do patrono do exército brasileiro, Duque de Caixas, parecia buscar justiça com sua espada ao alto.

A praça que levava o nome daquela que decretou a libertação dos escravos naquele país, Princesa Isabel, agora era o palco onde um assassino procurava a satisfação para a mais primordial das necessidades das criaturas: a fome.

O rapaz estava acostumado com o frio daquela madrugada, ao contrário dos habitantes daquele país quente, uma vez que em sua terra natal as temperaturas costumavam ser muito mais baixas que aquelas. Caminhava pacientemente, parando algumas vezes, à procura da criatura sanguinária.

Chegara até ali e encontrara pelo caminho, na madrugada, diversos infelizes absortos em suas viagens causadas pela ingestão das substâncias que amenizavam um pouco o sofrimento causado por seus demônios íntimos. Ainda que por breves momentos esqueciam-se dos infortúnios que a vida lhes causara. Sentiu pena deles embora soubesse que ali estavam por escolha própria, ainda que tivessem percorrido por caminhos tortuosos, e as malditas drogas ali os haviam aprisionado.

Nenhum deles se atreveu a lhe pedir um trocado, ao contrário, sua estranha figura lhes causou estranheza e até certo temor. Não era comum ver alguém como aquele rapaz pela região, principalmente naquele horário. 

Parecia ser estrangeiro.

Com quase dois metros de altura, branco como a neve, olhos de um azul glacial e longos cabelos ruivos ele trajava um pesado sobretudo negro, calças e botas da mesma cor. Realmente era uma visão incomum e tal temor era compreensível.

A praça em si estava deserta. Quem se aventuraria por tão lúgubre lugar?

Porém, atrás do enorme monumento que servia de apoio à gigantesca estátua, um apaixonado casal via naquela noite e local incomuns a data perfeita para o acontecimento que mudaria o rumo de suas vidas. Literalmente.

-Foi aqui, meu amor, se recorda?

-Como poderia esquecer? Foi aqui que nos conhecemos. Mas por que essa insistência em vir aqui hoje? Está muito frio! E à noite?

-Sou um amante da noite, e queria que a bela lua nos abençoasse.

-Como assim? Por que diz isso?

-Porque tenho algo especial para você e algo me diz que essa é a noite perfeita. – dizendo isso o rapaz retirou do bolso de seu casado uma caixinha e solenemente a abriu, deixando à mostra um par de alianças de ouro.

Os olhos da garota se encheram de lágrimas e as palavras ficaram presas em sua garganta.

-Quer se casar comigo?

Ela o olhou amorosamente e seus lábios tocaram os dele, tornando desnecessárias palavras que respondessem à pergunta.

-Meu amor, por favor, me diz que não estou sonhando. Me diz que isso tudo é verdade e que não é um sonho.

-Não posso dizer isso, minha querida, porque acredito que também estou sonhando.

Novamente eles se beijaram, selando seu amor. Infelizmente não perceberam a aproximação do vulto que parou diante de tão doce cena.

-Lindo, realmente lindo. Sugiro que coloque logo a aliança no dedo dela. Apenas uma sugestão.

Eles se assustaram com as frias palavras que ouviram e se voltaram para o homem que os olhava estranhamente. Vestindo preto, uma bela jaqueta de couro e botas na altura dos joelhos ele seria identificado como mais um apreciador de heavy metal, mas havia algo estranho em seus olhos.

-O que você quer? Deixe a gente em paz, não temos dinheiro.

-Dinheiro? Os homens crêem que tudo se resuma a isso. Mas não é dinheiro o que procuro, é algo bem mais precioso.

A garota, aterrorizada, se agarrou ao seu agora noivo.

-Quem é você, cara? Cai fora daqui ou vai se dar mal. Deixe a gente em paz.

O estranho se limitou apenas em esboçar um tétrico sorriso em seus lábios finos.

-Vamos embora. – sugeriu baixinho, a garota.

-Ir embora. E para onde acreditam que podem ir e estar a salvo de mim?

-Filho da mãe, some daqui. Quem é você? – o rapaz se pôs entre a noiva e o estranho, demonstrando coragem e confiança.

-Não preciso responder perguntas de alguém que logo estará tão frio quanto esse mármore. – ele alisou suavemente o monumento ao seu lado.

-Já disse para ir embora, eu luto heim cara. – o rapaz ameaçou.

-Parece que não vai seguir minha sugestão. Como preferir. A propósito, enamorados, isso não é um sonho. 

Talvez, quem sabe, um pesadelo, para vocês.

Percebendo que o pior estaria pestes a acontecer o rapaz tentou, em vão, atingir aquela estranha figura com diversos socos. Mas ele era rápido, mais do que qualquer homem que já tivesse visto, e ele percebe ter agido em vão.

-Divertido, porém um pouco entediante. Mas reconheço sua coragem em tentar defender a si e à sua amada, ao contrário de muitos outros que ficam apenas choramingando e implorando por misericórdia. – comentou o estranho após esquivar-se dos golpes.

A garota, imobilizada pelo medo, apenas assistia o rapaz tentar, mais uma vez, atingir aquele que os ameaçava. Logo um grito de horror escapou de sua até então emudecida garganta ao ver seu amado ser arremessado ao chão.

-Sim, grite. Continue gritando, isso é música para meus ouvidos, embora somente eu a esteja ouvindo. – ele se aproximou lentamente.

O rapaz, com o braço machucado, se levantou e veio em ajuda àquela a quem jurara amor eterno, mas foi imobilizado pela forte mão que agarrou firmemente sua garganta.

-Está difícil eu me decidir sobre qual será o primeiro. – a arrogância em sua voz causava ainda mais medo ao casal. Porém, o medo se tornou infinitamente maior ao verem as enormes presas que escapavam da boca daquele estranho.

Não era apenas o rapaz ruivo quem caçada naquela noite, o vampiro também buscava novas prêsas.

-Creio que será você! – uma inédita voz carregada de sotaque estrangeiro surgiu por detrás deles.

O enorme ruivo terminara de dar a volta no monumento e agora se fazia presente. Sua caçada não havia sido em vão, ele encontrara o que estava procurando.

-Ora, parece que mais alguém ouviu seus gritos, mocinha. – o rapaz foi finalmente liberto. O recém chegado parecia atrair mais a atenção daquela estranha figura do que o casal.

-O sadismo comum aos que são como você. Sempre atormentando suas vítimas antes de se alimentar delas, criaturas malditas. Mas isso acaba por aqui. – o ruivo desembainhou a enorme espada que até então estava escondida por debaixo de sua vestimenta.

-Não acredito nisso, um caçador? Pensei que vocês nem mais existissem. Mas acho que posso ajudar a tornar verdadeira tal crença.

O casal, agora abraçado, apenas assistia perplexo o desenrolar dos acontecimentos.

Cenas como aquela eles viram apenas em filmes ou leram em livros, jamais puderam acreditar que algum dia presenciariam algo como aquilo, que as histórias eram verdadeiras.

-Gostei da espada. Será uma excelente peça para minha coleção.
A criatura e o ruivo finalmente iniciaram então seu embate: espada contra caninos pontiagudos.

Ainda que utilizando toda sua técnica e agilidade o estrangeiro ruivo não tinha a velocidade daquela criatura que parecia brincar com ele.

Sua reluzente espada cortava apenas o ar frio a cada golpe que desferia, sem sequer passar perto do vampiro, que o circundava como um leão emboscando a prêsa.

-Surpreso? – o vampiro indagou com sua arrogância.

-Você não é como os outros.

- Sim, surpreso. – ele riu.

Não sabiam se corriam ou aguardavam o desfecho daquilo tudo, o casal, abraçado e encostado no gélido monumento, apenas sabia que não se deve correr de um predador porque isso lhe atrai a atenção, embora sua maior vontade fosse essa.

Novas investidas do estrangeiro, porém infrutíferas.

O silêncio da praça era quebrado somente pelo som dos passos daquele rapaz que lutava e pelo som da lâmina da espada que algumas vezes atingiu o chão ou o monumento próximo.

No entanto o som de ossos se partindo fez com que o casal acreditasse que a opção de fugir teria sido a melhor alternativa. Com um golpe curto, direto e seco a espinha do rapaz ruivo se partiu e ele ganhou o chão.

Estava então com o corpo todo imobilizado e a espada que ainda trazia em uma das mãos agora lhe era totalmente inútil. Porém, ainda que diante da morte, não esboçou medo algum em seus olhos, apenas um pouco de dor pelo ferimento recém adquirido.

Com um sorriso demoníaco a lhe estampar a boca, a criatura se voltou para o casal e deu prosseguimento em seu intento.

Do alto do altíssimo monumento, Duque de Caxias, ainda empunhando gloriosamente sua espada, nada pôde fazer para evitar mais aqueles assassinatos que foram cometidos debaixo de seus olhos.

No dia seguinte três cadáveres foram encontrados naquela praça, e ainda que diante de tão incomuns características apresentadas pelos corpos, ferimentos no pescoço e total ausência de sangue em seus corpos, nada foi veiculado nos meios de comunicação.

A criatura permanecia solta em busca de sangue, quando atacaria novamente?

 Quem se preocuparia com os drogados que morriam naquela região?

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