Livro - Prisioneiro da Eternidade II - A Redenção.





Saudações visitante.


Para quem estiver curioso pelo livro Prisioneiro da Eternidade II - A Redenção, estou deixando uma pequena amostra do livro.
Caso deseje conhecer o desfecho dessa história, segue o link http://www.clubedeautores.com.br/book/36177--PRISIONEIRO_DA_ETERNIDADE_II


Boa leitura!

               "O som da pesada porta se fechando soa para o velho padre Gedeão como um escudo protetor que se ergue entre aquela igreja e o mundo exterior.

       Um escudo que o protege dos perigos e da loucura do mundo moderno. Um mundo habitado por uma humanidade que por mais evoluída que seja ainda traz enraizada dentro de si os sentimentos negativos e destrutivos das feras selvagens.
       Mas agora ele está em segurança. A noite chegou e suas obrigações haviam sido cumpridas, de forma que não há motivo para ele ter que abrir aquela pesada porta até a manhã seguinte. Não há motivo para ele retirar seu escudo protetor.
       Seu ajudante, o prestativo coroinha Douglas, já se ausentava pelo terceiro dia consecutivo por causa de uma forte gripe que o acometera, sendo assim o padre via-se obrigado a realizar as atividades que costumeiramente eram realizadas por ele, como baixar e erguer o bendito escudo.
       Já fazia alguns anos que ele não mais se sentia confortável em realizar tais tarefas devido às limitações que a avançada idade lhe impunha. A ausência de Douglas lhe era bastante cara.
       Igreja escura e silenciosa. O pesado e gigantesco escudo protegendo-o das maldades do mundo está erguido, mas é incapaz de protegê-lo dos tormentos que suas memórias lhe impõem. Gedeão mergulha em suas lembranças, que não são poucas, visto que ele já beira seus oitenta anos. E nem sempre tais lembranças são muito agradáveis...
       Recorda-se da sua infância abastada e feliz e do duro golpe que a vida lhe aplicara fazendo com que ele estivesse agora vestindo aquela batina.
       Sonhava em ser arqueólogo. Estudar os artefatos antigos que desvendavam os segredos históricos da humanidade e haviam sido acobertados pelo passar dos anos. Mas o destino lhe reservara outra missão...
       Família rica, Gedeão era o irmão caçula entre três. Tudo corria como de costume, como com qualquer criança, até que um trágico acidente de trem tirou a vida de sua mãe e de um de seus irmãos. O pai, desgostoso com a vida, internou os dois filhos em um colégio de padres e desapareceu mundo afora para nunca mais dar notícia alguma.
       Nem mesmo quando seu irmão se suicidou, após cinco anos naquele colégio, seu pai deu sinal de vida. Talvez por não estar mais vivo, quem poderia saber?
       Sozinho no mundo Gedeão seguiu com seus estudos, foi ordenado padre e agora estava ali escondendo-se por detrás de um escudo imaginário temendo pela própria vida. Mas o que o pobre velho tanto temia? O que o tornava tão paranóico para com o mundo exterior? Não era o espírito de seu pai, de sua mãe ou de algum dos seus irmãos até mesmo porque não havia motivo algum para que eles quisessem lhe fazer algum mal. Temeria ele a justiça divina, que ele bem sabia, podia tardar, mas nunca falharia? Mas como estar a salvo da justiça divina debaixo do teto de um templo de Deus?
       Antes que ele possa atolar-se nas lembranças que fazem com que ele tema essa tal justiça um arrepio sobe-lhe as costas ao vislumbrar um vulto sentado em uma das fileiras da igreja, logo à frente.
       Como ele não havia notado aquela presença? Acabara de passar por ali para fechar a pesada porta e se certificara de que não havia mais ninguém ali dentro. Talvez a debilitada visão o houvesse enganado. Mas o que aquele homem ainda faz ali dentro?
       -Esse é um belo lugar. – fala calmamente o homem.
       -Lamento informar meu filho, mas as atividades da igreja se encerraram por hoje, devo lhe pedir que se retire para que o velho padre possa descansar. – diz Gedeão calmamente.
       O vulto, ali sentado, permanece imóvel. Voltado na direção do altar iluminado apenas por alguns castiçais não era possível à Gedeão observar seu rosto.
       Não lhe é possível precisar o motivo, mas o padre pouco a pouco vai sendo tomado por um indescritível horror diante da atitude do vulto. Aquela calmaria que antes tanto lhe trazia paz agora o aterroriza.
Lentamente, com seus débeis passos, Gedeão vai se aproximando daquela incógnita pessoa.
       -Talvez o dia que o senhor tanto temeu ao longo de sua vida tenha finalmente chegado padre.  – é o sussurro que chega aos ouvidos do padre.
       -Como disse? – gagueja ele incrédulo.
       Finalmente o vulto se move. O homem se levanta calmamente e, ao voltar-se para Gedeão, mostra finalmente seu rosto. Pálido, cabeça totalmente lisa, semblante duro e firme, olhos de um indescritível azul glacial expressando um olhar gélido e penetrante, boca pequena e contornada por lábios finos e portando mais de um metro e oitenta de altura. O padre cai em desespero quando seu olhar se cruza com o daquele homem.
       -Eu disse, “nobre” padre, que o dia que o senhor tanto temeu finalmente chegou, quer que eu repita novamente?  - responde o homem com um tom ameaçador.
       -Quem é você? Saia já daqui, essa é a casa do Senhor, os trabalhos de hoje acabaram.  – diz o padre afastando-se lentamente,tomando cuidado para não cair.
       -Interessante... Então os trabalhos do Criador necessitam de hora marcada? Antigamente não era assim, esse mundo realmente está louco, não é mesmo? – indaga jocosamente o ameaçador homem que lentamente se aproxima.
       -Por favor, me deixe em paz, saia daqui!! – grita Gedeão desesperado.
       -Deixá-lo em paz? Assim como o senhor deixou em paz aqueles garotos naquela cidade do interior, padre? Ou deixá-lo com a mesma paz que seu irmão suicida encontrou quando tirou a vida para não mais ser abusado pelos padres daquele colégio? – um sádico sorriso se faz presente no duro semblante do homem.
       -Cale-se!! Não sabe o que está falando homem, saia já daqui!! – grita o padre sentindo os terríveis fantasmas do passado se fazerem presentes.
       -Talvez eu não saiba mesmo, por que então não me explica velho pútrido?
       O padre, reunindo as débeis energias ainda presentes naquele corpo velho, ensaia uma breve corrida na direção dos fundos da igreja. Deseja alcançar a sacristia, pois acredita que trancando-se lá ele possa se salvar.
       -Não adianta correr velho Gedeão. Onde quer que vá sua consciência o acompanhará. Ainda sinto o cheiro daquelas crianças exalando do seu velho corpo. Não pode imaginar o quanto isso me agrada. É uma pena que não agrade ao Criador. Não se lembra mais delas?
       Gedeão sente a dor das palavras penetrando-lhe os ouvidos como se fossem agulhas perfurando-lhe os tímpanos e seguindo até seu coração, mas permanece em seu intento: alcançar a sacristia o mais rápido possível.
       O homem observa a atitude desesperada do padre e balança negativamente sua cabeça. Gedeão, ao estender os olhos na direção onde abandonara o vulto, tromba em algo maciço e cai ao chão sentindo a dor do seu braço que se quebra.
       -Vá mais devagar padre, assim o senhor vai se machucar.  – disse à sua frente rindo de sua situação.
       Gedeão emudece. Talvez pela dor. Talvez pelo horror. Bruscamente erguido do chão por aquele homem aterrorizante que o agarra pelos colarinhos sem se importar com seus mais de oitenta quilos de peso.
       -É hora de acertar as contas, velho imundo. – diz ele aproximando raivosamente seu rosto junto ao do padre antes de arremessá-lo na direção do altar.
       O estrondo do corpo atingindo o mármore frio ecoa por toda a construção e Gedeão segurando seu braço fraturado no fundo sabe que sua vida estava prestes a se findar.
       -Quem é você infeliz? Como sabe de todas essas coisas? Quem é você para me julgar? – indaga chorosamente.
       -Certo velho pútrido, acredito que mereça ao menos saber quem é aquele que dará cabo de sua existência nefasta. – responde o homem, aproximando-se.
       Gedeão, que tenta pôr-se em pé, é chutado violentamente no peito e arremessado novamente de costas no chão frio.
       Ele olha para o alto e encontra o olhar piedoso do Cristo crucificado logo acima dele.
       -Eu sou algo que provavelmente você sempre duvidou que existisse, velho, ainda que em seu íntimo temesse. Sou um daqueles que através da eternidade caminha pelas sombras ceifando a vida de humanos medíocres como você na ânsia de alcançar a paz interior. Sou um dos únicos que um dia ousou rebelar-se contra o Criador e que, devido a isso, ainda paga o preço. Sou aquilo que jamais desejou ser e que, ainda que quisesse, nunca conseguiria. – diz o homem pisando-lhe a garganta enquanto olha sadicamente dentro de seus olhos.
       Gedeão tenta dizer alguma coisa, mas o pé do agressor impede que sua voz saia.
       -Não vim fazer justiça em nome Dele, ao contrário, na realidade eu quero é que Ele se dane. Eu vim foi alimentar-me do seu sofrimento, ver o medo transbordar pelos seus olhos, como agora. Sentir a dor esvaindo pelos seus poros, ouvir suas súplicas de piedade. Presenciar o resto de dignidade se esvair de você transformado-o em um nada, em um saco de excremento antes de morrer. Vim provar, pela milionésima vez, creio eu, que desprezo vocês, ditos Filhos de Deus. Banharei todo esse altar com seu sangue. O sangue de um velho medíocre que prega a palavra Dele para em seguida bolinar crianças na sacristia, velho imundo. – e uma medonha gargalhada ecoa por todo o lugar.
       Novamente Gedeão é erguido brutalmente do chão. Ele sente que sua vida se esvai pouco a pouco como se a sua alma se entregasse à morte. É provável que esse seja o desejo daquele velho padre: morrer antes de sofrer os tormentos que provavelmente aquele homem terrível lhe imporia.
       -Sabe velho Gedeão, eu entendo que nós, criaturas das sombras que sempre coexistiram com a morte e as destruições cometam atrocidades das piores espécies, mas como vocês humanos, que se dizem tão sublimes, feitos à imagem e semelhança do Criador podem fazer tais coisas? É isso o que me causa repugnância em vocês: não assumirem sua própria mediocridade. Viverem aparentando serem bondosos, ternos, educados, amáveis e tudo o mais e na realidade nutrirem os sentimentos mais pérfidos em seu íntimo. Ao menos nós assumimos o que somos: criaturas das trevas sedentas de sangue e sofrimento, mas vocês nem ao menos assumem o que realmente são e ainda se consideram dignos de julgar tanto seus semelhantes quanto as demais criaturas. Julgam-se superiores, superiores a quem? Talvez aos seres menos desenvolvidos, mas não a nós os herdeiros das trevas, não a nós...
       Gedeão a tudo ouve suspenso no ar por uma das mãos do seu agressor. Sua visão prejudicada pela idade avançada está ainda mais turva devido às lágrimas que lhe brotam dos olhos. As palavras daquele homem (seria mesmo ele um homem?) ferem-no muito mais que qualquer chute ou soco que lhe pudesse ser desferido.
       -Mesmo sabendo que seu irmão se matara por não mais suportar os abusos de que era vítima por parte daqueles padres odiosos você seguiu pelo mesmo caminho deles? Que compaixão é essa Gedeão? Nunca pensou no mal que causava àqueles garotos? Já não era suficiente o sofrimento por viverem longe de suas famílias, ainda havia a necessidade de que destruísse suas almas? Se era incapaz de controlar seus desejos mundanos por que vestiu a batina? Por que não seguiu outra profissão qualquer para poder frequentar prostíbulos e saciar sua sede sexual? Por quê? – uma inexplicável ira se apossa do homem.
       Gedeão é então jogado brutalmente sobre o altar próximo dali. Novo estalo... Mais ossos que se partem. Dessa vez é sua espinha...
       -Me chame de vampiro, de demônio... me chame do que quiser. Mas é chegada sua hora, isso é fato. Não suporto mais olhar para essa sua cara de velho bondoso, de homem injustiçado, chega velho. Você me dá nojo. Lembre-se dos olhares suplicantes por piedade daqueles pobres meninos que você currou importando-se apenas consigo mesmo, maldito. – são as últimas palavras proferidas por aquela criatura que lentamente se aproxima.
       Antes de horrorizar-se com as enormes presas que orgulhosamente são-lhe exibidas para logo serem cravadas em seu pescoço, Gedeão, em copioso pranto, ainda admira pela última vez os olhos piedosos do Cristo logo acima dele."



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