Conto - O Presente Merecido.

conto de natal


Boa noite visitante, que o espírito natalino esteja convosco, não com a obrigatoriedade de presentes e comilança, mas na verdadeira essência que a data deveria trazer: paz, reflexão e fraternidade.

Como é costume na página, segue abaixo um inédito e tétrico conto natalino (contrastando com tudo isso, mas peculiar à página em que se encontra).

Um presente a você que sempre prestigia o blog em busca de noites mal dormidas.

Obrigado pela visita e não se esqueça: o horror sempre está a espreita (inclusive no Natal).

A noite de Natal costuma ser a mais aguardada pelas crianças em boa parte do mundo. Mas, para o pequeno Gui e sua mãe, Rose, aquela data seria inesquecível.


Como presente ele havia pedido a ela um videogame de última geração. Rose, ao longo de todo aquele ano, sempre dissera que se ele se comportasse bem seria merecedor do presente, que lhe seria entregue pelo bom velhinho.

Lhe ensinara a rezar todas as noites antes de dormir e pedir para que o Papai Noel atendesse ao seu pedido. E assim ele fazia, menino obediente que sempre fora.

Em um mundo tomado pela modernidade a pobre Rose zelava por manter viva a chama do Natal no coração do seu único filho, certa de que ele ainda acreditava na existência do Papai Noel.

Manter vivas as crenças que traziam alegria ao coração das crianças, em um mundo como o de hoje, não era tarefa fácil, mas ela estava certa de que obtinha êxito em seu intento.

Estava enganada, pois seu filho já há algum tempo deixara de acreditar em lendas como a do Papai Noel e do Coelhinho da Páscoa, ele apenas fingia uma vez que percebia que isso a deixava feliz.

Viúva, ela fazia faxinas diárias em diversos lares para sustentar seu pequeno, que passava o dia em uma escola pública, e foi com muito custo que conseguiu guardar a quantia necessária para atender ao seu pedido.

O presente já estava no fundo do guarda-roupa e ela só esperava a noite do dia vinte e quatro para alegrar aquele coraçãozinho amargurado e inocente.

Desde que seu pai fora vítima da violência que assola as grandes cidades dificilmente era possível vê-lo sorrir, e a tristeza do filho cortava seu coração.

O tão almejado presente certamente seria capaz de amenizar um pouco o sofrimento que a vida lhe impusera.

Após o fatídico acontecimento que tirara a vida de seu pai, no início do ano, Gui tornara-se uma criança introvertida e avessa a novas amizades. Ainda assim Rose o considerava um menino realmente bom e que merecia o presente prometido.

Ela mal podia esperar para vê-lo encontrar o embrulho na manhã de Natal e a idéia de vislumbrar, mais uma vez, um doce sorriso de alegria no rostinho dele fazia com que seus olhos se enchessem de lágrimas.

Finalmente o ano estava terminando e a data esperada havia chegado.

Noite do dia vinte e quatro e sequer o relógio apontou as vinte e duas horas o pequeno Gui havia pegado no sono enquanto assistia a um programa na televisão. Quando Rose, com dificuldade, o apanhou no colo para colocá-lo na cama, ainda o ouviu perguntar se ele receberia o presente que pedira. Ela, mais uma vez, disse que sim, pois ele havia sido um menino obediente e bom durante todo o ano e o Papai Noel atendia aos pedidos das crianças boas.

Assim que o garoto adormeceu ela correu e deixou a caixa com o presente aos pés da árvore natalina, certa de que na manhã seguinte ambos estariam imensamente felizes mesmo sendo o primeiro Natal deles sem a presença do pai.

Não demorou muito e ela foi se recolher, ainda exausta pelo difícil ano que tivera, mas com o sentimento de dever cumprido sabendo que conseguiria atender ao pedido do filho.

Porém, ao contrário do que a pobre mãe acreditava, Gui havia mudado muito desde o falecimento de seu pai. Na escola, longe de seus olhos, o pequeno havia se tornado uma criança bastante difícil de lidar.

Respondia com grosserias e truculência aos professores e demais funcionários que o repreendiam diante das atitudes que ele tinha com as outras crianças. Judiava delas, rindo quando as fazia chorar, realmente se divertindo com as maldades que praticava.

A direção da instituição preferia, erroneamente, poupar a infeliz mãe e não apresentava queixas quanto ao seu comportamento, sensibilizadas diante da tragédia pela qual haviam passado.

Era provável que tal comportamento se devesse ao trauma sofrido.

O sol ainda não havia se erguido no horizonte quando ela despertou ao ouvir estranhos sons vindos da sala. Olhou para a cama ao seu lado e não encontrou o filho.

A ansiedade de Gui o fizera acordar ainda de madrugada.

Lágrimas escorreram pelo rosto dela ao imaginar a alegria do menino, que provavelmente encontrara o presente.

Ela aguardou alguns instantes, certa de que ele a chamaria, mas nada aconteceu.

Estranhando aquele silêncio ela decidiu ir até a sala e ver o que ocorria. Será que ele não havia gostado do presente? Impossível!

Quando estava se levantando o silêncio foi rompido por uma risada, que a encheu de horror.

A voz não era de Gui.

Ela correu até a sala, que estava ainda escura, deixando-a em pânico.

Seu sangue gelou e ela amoleceu, quase desmaiando diante do que viu.

Pela janela, uma macabra criatura sorrateiramente saia pela janela.

A besta a olhou friamente, com olhos rubros como o inferno, e disse: – Seu filho recebeu o presente que merecia pelo seu comportamento durante o ano, feliz Natal – e desapareceu.

Horrorizada, ela acendeu a luz e pôde ver o pequeno Gui, abraçado à caixa que continha seu presente, ambos banhados em sangue.

Enquanto, em grande parte do mundo, crianças estavam alegres com os presentes que haviam ganhado, o pequeno Gui estava morto.


*Krampus é uma criatura mitológica que acompanha o Papai Noel durante as festividades natalinas. Segundo a lenda de várias regiões do mundo, trata-se de uma criatura semelhante a um demônio que pune as crianças más enquanto o Papai Noel presenteia as crianças boas.

Krampus

Krampus


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