Conto - A Despedida de Hector

A Despedida de Hector

Boa tarde visitante do prisioneiro.
Deixo aqui mais um conto de minha autoria.
Tomou de um só gole o café amargo.
Não estava tão quente quanto gostaria mas juntamente com o cigarro que acendeu em seguida ele era a única companhia que tinha naquela tarde vazia.
Pôs a xícara vazia sobre a mesa e com ele entre os dedos, exalando a fumaça da última baforada, caminhou lentamente até a janela do apartamento com aquela perturbadora voz martelando na sua cabeça.
“Tudo isso pode ter um fim, tenha coragem, siga em frente...”, ela insistia lhe oferecendo uma alternativa para que os tormentos que o castigavam desaparecessem.
O motivo poderia parecer banal, sim, mas não para ele. Todos os seus sonhos tinham sido destruídos pelo que acabara de descobrir.
Talvez ele devesse ter aberto mão da verdade, ao menos assim continuaria feliz.
Mentiras, tudo o que viveu com ela não passava disso. Por que não lhe contou tudo? Por que preferiu enganá-lo daquela maneira?
O mais doloroso talvez não fosse a verdade em si mas sim o fato de ter descoberto tudo sozinho sem que ela tivesse tido a capacidade de lhe dizer nada.
Por quê?
Confiou nela, contou-lhe seus segredos mais obscuros e o mínimo que esperava era uma reciprocidade que não veio, que não existia.
Talvez ela quisesse poupá-lo daquilo tudo, evitando assim julgamentos, mais perguntas, ter que relembrar fatos dolorosos, vergonhosos, talvez, mas cedo ou tarde a verdade acabaria aparecendo, ela sempre aparece, como aconteceu.
Deu mais uma longa tragada no cigarro.
Poderia telefonar e dizer o que tinha descoberto, mas isso mudaria alguma coisa? Provavelmente apenas a machucaria, não mudaria o que aconteceu, não alteraria o passado, não a redimiria de todas as mentiras que contou e, por mais magoado que estivesse ele não queria entristece-la, ferí-la.
De dor já bastava a que sentia.
Que sua amada se lembrasse dele com carinho, que continuasse cultivando por ele o amor que dizia sentir, não queria que tudo se transformasse em rancor.
Não, era melhor que as coisas continuassem como estavam, ele a amava demais para fazê-la sofrer.
Sim, ele ainda a amava, apesar de tudo.
Por que agiu daquela maneira? Não importava, ela tinha seus motivos, seja lá quais fossem eles.
O cigarro seguia para o seu final, Hector deu mais uma tragada, aquele vício maldito que ele não conseguia vencer.
Um vício que mata, sim, mas a vida por si só faz isso, ela nos leva lentamente em direção à morte, dia após dia, isso é inevitável.
“Por que continuar sofrendo? Por que tantas dúvidas? Por que tanta angústia? Tudo isso pode ter um fim, tenha coragem, siga em frente...”, a voz não se calava.
Talvez lá embaixo realmente encontrasse o fim para aquilo tudo, a paz que até então acreditou ter encontrado, mas que se mostrou ilusória.
Olhou para o alto e vislumbrou o céu cinza, melancólico e triste que parecia aumentar ainda mais a angústia que fazia-lhe arder o peito, ou talvez fosse a fumaça do cigarro.
Suspirou fundo e as lágrimas que até então se esforçava para reter enfim ganharam vida e lhe desceram mornas pelo rosto.
Fechou os olhos buscando coragem mas ao invés dela o que encontrou foi o rosto de sua amada com aquele encantador sorriso e a doçura no olhar que o fizeram apaixonar-se.
Aquele sorriso, aquele olhar, seriam também falsos como as histórias que lhe foram contadas ao longo de todo aquele tempo?
“Nunca terá sido por falta de amor...”, ela sempre dizia. Realmente, o que faltou não foi o amor, mas sim a confiança.
A garganta estreitou, o peito queimou mais uma vez. Quis dar mais uma tragada mas o cigarro já tinha terminado.
Olhou de novo para baixo.
Sete andares, o suficiente para que todo o sofrimento chegasse ao fim.
Poderia fingir não saber de nada, tentar seguir em frente, mas aquilo era impossível de acontecer. Sempre que a visse, sempre que pensasse nela se lembraria das verdades que nunca lhe foram ditas e com o tempo o amor que sentia acabaria se transformando em mágoa, talvez em ódio.
“Não deixe o ódio nascer, vá em frente enquanto só existe o amor...”, martelou mais uma vez aquela voz.
Seu corpo flutuou pelo ar por alguns segundos enquanto vertiginosas imagens passaram por seus olhos, pensou em abortar sua atitude tresloucada, tarde demais, não tinha mais volta.
Em um clarão avermelhado e um estrondo tudo chegou ao fim.
A voz se calou, a angústia no peito desapareceu, as dúvidas deixaram de existir, os sonhos que um dia poderiam ter se tornado realidade desapareceram.
Encontrou a paz que tanto procurava?
Ninguém além dele mesmo tem a resposta, onde quer que esteja.

Um comentário:

  1. Boa noite meu caro escritor, tudo bem? Então. Você não sabe o quanto estou feliz em encontrar um colega que também gosta de postar seus escritos num blog, achei super legal. Eu também tenho um blog chamado manualdoscontos.blogspot.com agora com certeza vou lhe acompanhar. Cada conto que você postar irei ler e comentar. Valeu meu mano.

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