Conto - Babie Annie

 

Conto de Terror

O mal está entre nós e se manifesta quando menos esperamos...

Me lembro de que aquilo aconteceu no final da tarde de um domingo.

Eu estava sentada na frente de casa totalmente absorta com um livro e mesmo a vizinhança não sendo tão tranquila quanto gostaria estava alheia a tudo o que acontecia à minha volta.

A leitura era muito boa e me fazia viajar na história, me desligando totalmente da bagunça ao meu redor. Esse é o poder de um bom livro.

A noite já se aproximava quando de repente me dei conta de que não estava sozinha. Olhei para o lado e vi uma garotinha bem vestida e com o olhar disperso sentada ao meu lado.

Quem era ela e há quanto tempo estaria ali?

Mesmo sem que eu dissesse nada ela percebeu que sua presença tinha sido notada e, com uma voz fria e vazia, me perguntou se aquela era minha casa. Lhe disse que sim e, sem alterar o tom de voz, ela apenas disse “Aqui é bonito, gosto daqui”, e ficou em silêncio.

Achei aquilo muito estranho e fiquei sem saber o que fazer. Tanto eu quanto ela parecíamos não querer conversa e decidi continuar lendo acreditando que logo ela iria embora. Mas estava enganada, passavam-se os minutos e ela continuava ali, em silêncio, com aquele mesmo olhar perdido no vazio e eu não conseguia me concentrar na leitura.

Aquela menina, que deveria ter uns nove ou dez anos, era bem bonita, mas sua beleza destoava das crianças da região. Sua pele era bem branca, seus cabelos tinham um tom avermelhado, quase ruivos, e seus olhos, pelo pouco que consegui ver porque ela não me olhava diretamente, pareciam ter um tom azulado.

Já um pouco impaciente, pois começava a anoitecer, perguntei se precisava de alguma coisa e ela friamente me respondeu que estava à espera da mãe, que logo viria busca-la.

Percebendo que não conseguiria continuar com o livro tentei puxar conversa, mas ela não era de muitas palavras. Dava respostas curtas, com má vontade, e ao querer saber seu nome ela, com indiferença, apenas me disse “Annie”.

Pelo nome ela realmente não deveria ser dali, mas o que eu poderia fazer?

Talvez ela quisesse ligar para a mãe, mas me respondeu que não precisava pois ela sabia onde estava e a mandou esperar ali.

A situação ficava cada vez mais estranha e começava a me preocupar. Nunca tinha visto aquela menina, como a mãe sabia que ela estava na minha casa? “Não precisa ficar preocupada moça, tudo vai ficar bem”, ela murmurou, como se lesse meus pensamentos.

Mesmo sendo apenas uma menina eu inexplicavelmente estava ficando apavorada. Não sei dizer o motivo, ela não fez nada de anormal, embora fosse um pouco estranha, mas eu sentia algo estranho no ar, um pressentimento ruim.

Me levantei e pedi que esperasse por mim enquanto ia ao banheiro e disse que logo voltaria para lhe fazer companhia enquanto esperava pela mãe. Na verdade queria apenas ficar sozinha e pensar no que fazer, quando ela apenas murmurou “Sim, você vai esperar comigo, moça”.

Aquilo fez um calafrio me subir pelo corpo.

Entrei, fui até o banheiro e tranquei a porta. Me olhei no espelho por alguns instantes, passei água no rosto e refleti sobre a situação. O que eu deveria fazer? Chamar a polícia ou esperar até que a mãe viesse busca-la? 

Nesse momento me virei, aterrorizada.

Ela estava logo à minha frente, olhando para chão, e com sua voz fria como a morte disse “É melhor eu levar você, acho que ela não vem não...”. Foi quando tudo se apagou.

Ao acordar a escuridão era quase completa, sentia um frio terrível, um estranho gosto na boca e meus olhos ardiam. Que lugar era aquele? Estava deitada em um chão de terra e o lugar era estreito, apertado, mas não entendia o que estava acontecendo.

Totalmente atordoada, como se saísse de um transe, acho que tinha desmaiado. Olhei para cima, na direção da pouca luz que entrava naquele lugar, e lá estava ela, sentada na beirada, com as perninhas balançando calmamente e seu enigmático olhar distante: a menina misteriosa.

Apoiando nas paredes de terra me levantei com certa dificuldade, todo o meu corpo inexplicavelmente doía. Lentamente olhei ao redor até que, horrorizada, percebi que estava dentro de uma cova.

Entrei em pânico e, aos berros, enquanto tentava escalar as paredes, perguntava à ela sobre o que estava acontecendo. Seu silêncio era absoluto, angustiante, apenas meus gritos ecoavam pela escuridão, até que após alguns instantes, com seu impassível tom de voz que me gelava a alma, ela enfim disse “Você vai gostar daqui também, moça, eu já acostumei”.

Ela finalmente me encarou, seus olhos brilharam um vermelho vivo e, antes de se esvair em meio à uma névoa escura, deu um sorriso que diabolicamente lhe deformou o rosto.

Um forte e agudo zumbido me chegou aos ouvidos e um estranho torpor se apoderou de mim me fazendo mergulhar novamente na escuridão.

Fui acordada por um senhor carregando uma pá que me olhava com estranheza perguntando o que eu estava fazendo ali. 

Me sentei e olhei ao redor. Já era dia, tudo estava calmo e os passarinhos cantavam, mas a primeira coisa que me chamou a atenção foi a lápide próxima à minha cabeça com os dizeres “Babie Annie”.

O senhor, tão assustado quanto eu, insistia com as perguntas. O encarei, apontei para a lápide e, com a voz embargada, disse apenas “Foi a Annie...”.

Ao longe pude ouvir uma sinistra voz dizendo “Moça, eu ainda vou voltar...”.

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