Conto - O Pacto.


Saudações visitante.
        Agraciado por uma repentina inspiração, segue abaixo mais um conto de minha autoria.
        Espero que aprecie.


                 -Malditos infelizes, pagarão por tudo que fizeram!!!
                Essa promessa fora feita ainda no sepultamento de seus pais, vítimas da loucura que toma conta dos dias de hoje: crimes relacionados ao tráfico de drogas que acabam por vitimar pessoas totalmente alheias ao seu obscuro mundo.
                Requintes de crueldade foram utilizados para dar-lhes cabo da vida, como é de praxe acontecer com os que possuem dívidas com traficantes de drogas.
                Jamais soubera de algum envolvimento deles com esse tipo de gente e tudo levava Hernani a acreditar que eles tinham sido mortos por engano. Mas até que ponto essa idéia era ou não verdadeira? Talvez ele nunca soubesse.

                ...

                Dois meses se passaram e a data chegara: cabalisticamente era o dia propício para que Hernani (nome fictício) realizasse o ritual que vingaria a morte de seus entes queridos.
                Ele nunca tinha se interessado por magia negra, mas ela foi a única forma que encontrou para destruir os miseráveis que haviam violentamente posto fim à vida de seus pais.
                A “justiça dos homens” falhara, mas a morte deles não ficaria impune. Os desgraçados não ficariam impunes, disso ele tinha certeza.
                Alimentado pelo ódio e com a idéia fixa em sua mente ele encontrou, em um sebo do centro da cidade, um desgastado livro que, segundo pesquisara, continha o necessário para que colocasse em prática seu plano de vingança. Passou a estudá-lo, embora a língua em que fora escrito não lhe fosse conhecida.
                Com a ajuda de um dicionário ele conseguiu traduzir os trechos que pareciam lhe ser úteis.
                Subornara o funcionário da gigantesca necrópole que ficava nos confins suburbanos daquela da cidade e, carregando uma sacola onde levava o material necessário para o ritual, se pôs a executar seu plano macabro.
                Velas negras, sangue e outros ingredientes estavam dispostos ao seu redor, defronte a uma lápide onde jazia há algumas décadas o corpo de um terrível assassino que assombrara a sociedade.
                Seu plano era trazer dos confins do inferno seu sanguinário espírito para que desse cabo daqueles que mataram seus pais.
                Em seu íntimo Hernani não sabia ao certo se aquilo funcionaria, mas esse tinha sido o único caminho que encontrara. Nada tinha a perder. Se tudo fosse apenas crença infundada ou mero folclore o máximo que poderia acontecer era ele ter perdido tempo.
                Prostrou-se de joelhos no chão úmido e frio tendo como única testemunha a lua cheia e, com o desgastado livro em mãos, passou a recitar os versos do feitiço que prometia cumprir seu propósito, em hebraico.
                Como um mantra ele proferiu as palavras inúmeras vezes.
                Olhos cerrados, ele estava concentrado no ódio que nutria pela escória que desejava destruir, parecia estar em transe. Repetiu e repetiu aquelas obscuras palavras até que algo estranho passou a ocorrer.
                Rompendo o silêncio que dominava o tétrico lugar chegaram aos seus ouvidos horríveis sons: grunhidos e gemidos como se adentrasse o próprio inferno.
                Deveria ou não abrir os olhos? O medo invadiu sua alma e colocou-se no lugar do ódio que nutria até então.
                Um frio subiu-lhe a espinha como se alguma coisa estivesse próxima a ele, teria o feitiço dado certo?
                -Fico feliz que tenha um novo “trabalho” pra mim, aquela existência ociosa me era insuportável. – a repentina voz vinda detrás dele o fez, com um pulo, pôr-se em pé e voltar-se na direção dela.
                Ficou atônito ao ver aquela figura diante de seus olhos: o assassino que deveria estar a sete palmos naquela lápide próxima havia retornado.
                -Vamos cidadão, o que tenho a fazer? Você me trouxe até aqui pra ficar me olhando? Quer namorar comigo? – a sinistra figura impacientou-se frente ao seu silêncio.
                -Er... não, claro que não. Quero que vingue os que mataram meus pais. – as palavras custavam a sair de sua boca.
                -Morte. Minha especialidade.
                -Sim, acho que sim. – seu medo era indisfarçável.
                -Vingança.
                -Isso, quero vingar a morte de meus pais, que nada fizeram para que merecessem o fim que lhes deram.
                -Deve saber que nenhum trabalho é feito de graça, não é mesmo? Só o fato de ter me trazido aqui já tem um preço, e se você me trouxe de volta é porque está disposto a pagar.
                -Preço? Na verdade eu acreditava que o faria por prazer, pelo menos foi o que eu li. Você foi um terrível assassino, um dos mais cruéis que o país já viu, pensei que fosse gostar de fazer esse serviço pra mim.
                -Bom, isso não me espanta, é a idéia que todos fazem dos assassinos: que matam por prazer, mas a coisa é bem mais complexa e é certo que logo entenderá isso. Enfim, farei o que me pediu, já que me trouxe aqui pra isso, depois veremos o preço.
                -Mas que preço é esse? Não sei se posso pagar.
                -Depois que o trabalho for terminado falaremos disso.
                -Não, espere, preciso saber como terei que te pagar, não sei se poderei.
                -Não se preocupe, você poderá pagar, afinal todos podem.
                -Não, calma... – Hernani sentiu um estalo em sua cabeça e sua visão escureceu, fazendo-o desmaiar.
               
                ...

                Já era manhã quando Hernani foi acordado pelo funcionário que permitira sua entrada na necrópole.
                -Ei cara, o que você tá fazendo aqui ainda? E que merda toda é essa? Some daqui, tá querendo me ferrar é?
                O rapaz olhou ao redor assustado, como se procurasse a entidade com a qual dialogara durante a madrugada, mas apenas as frias lápides e os apetrechos que ele espalhara ao seu redor (e que causavam asco ao funcionário) se faziam presentes.
                -Some logo daqui seu maluco e leve embora essas porcarias, vai logo.
                Hernani fez o ordenado e voltou para sua casa, ainda confuso.
                -Será que deu certo? Tudo parece confuso, não sei se aquela conversa foi real ou apenas um sonho...             
                Com quem poderia conversar sobre aquilo? Quem sanaria suas dúvidas? Certamente o chamariam de louco.
                Hernani por alguns dias conviveu em silêncio com aquele impasse até que, envolvido com suas atividades cotidianas, o assunto pareceu se dissipar de sua mente. O estranho era que juntamente com suas dúvidas acerca do ocorrido sua sede de vingança também diminuiu quase ao ponto de desaparecer.
                Estava aliviado e a vida parecia-lhe mais bela. As lembranças do que tinha acontecido com seus pais pareciam ter ido embora e Hernani, com isso, parecia levar uma vida normal, finalmente.
                Sábado. O sol iniciava sua descida para ceder lugar à lua quando Hernani foi tomado por uma sonolência abrupta e incontrolável.
                Havia uma festa para o qual fora convidado e não pretendia ausentar-se, mas aquele torpor o obrigou a se deitar.
                -Só uma cochiladinha, depois eu acordo e vou pra lá. – ele pensou ao jogar-se no confortável colchão e praticamente desmaiar.
                Sonhos perturbadores o assombraram durante as horas de repouso.
               
                ...

                Ao despertar ele se zangou ao sentir o calor do sol a queimar-lhe o rosto.
                -Que merda, perdi a festa! – foi seu pensamento inicial, mas que logo deu lugar ao espanto e ao horror ao perceber onde se encontrava.
                Estava caído em um terreno abandonado com o corpo encharcado de sangue, logo adiante seu automóvel denunciava como havia chegado ali.
                -Mas que diabo é isso? O que foi que eu fiz? Não consigo me lembrar de nada...
                Aterrorizado ele olhou ao redor e não havia ninguém, para seu breve alívio.
                Correu até seu automóvel e rodou perdido até encontrar um caminho conhecido para que retornasse à sua casa.
                Assim que chegou foi cumprimentado por um dos vizinhos que sequer notou suas vestes ensangüentadas, por ele estar dentro do casso. Entrou rapidamente em sua garagem sem dar-lhe atenção e correu até a sala, onde ligou a televisão.
                < A polícia identificou os corpos de três das cinco vítimas, entre elas duas mulheres e, segundo informações, todos estão envolvidos com o tráfico de entorpecentes. O estado dos cadáveres nos remete à ação de um assassino que aterrorizou a cidade décadas atrás. No entanto, segundo o delegado regional, o autor das mortes não se preocupou em ocultar suas pistas e parece já ter sido identificado. Sua prisão deve acontecer nas próximas horas. Novas notícias sobre o caso a qualquer momento. >
                Hernani sentiu suas pernas amolecerem e, sem importar-se com o sangue, caiu no sofá.
                -O que eu fiz? Como é possível? Não consigo me lembrar de nada.
                Novamente o arrepio que sentira na noite em que estivera na necrópole se fez presente e, logo, a sinistra figura daquele que invocara adentrou a sala. Não, aquilo não tinha sido um sonho.
                -Satisfeito? Espero que sim. O sofrimento que os vermes sentiram foi indescritível, esteja certo que a morte de seus pais foi vingada de forma exemplar, o que me faz lembrar os meus velhos tempos...
                -O que aconteceu? O que foi que eu fiz?
                -O que fez? Pôs um fim à vida dos que mataram seus pais, como desejava.
                -Mas era pra você fazer isso e não eu! Eu tô ferrado cara!
                -Eu fazer? Como poderia, sendo eu um espírito? Digamos que eu apenas lhe dei a coragem e o instinto para agir, mas a obra foi sua.
                -Como assim?
                -O ódio que alimentava abriu as portas da sua mente, foi relativamente fácil.
                Engasgado com as lágrimas que passaram a banhar sua face Hernani não acreditava naquele pesadelo.
                -Você me possuiu, é isso?
                -Hum... os vivos costumam usar esse termo, embora os que estão na minha condição, os mortos, costumem usar outros, mas para que entenda, foi praticamente isso.
                -Merda! Eu vou ser preso cara! O que você fez comigo? Você ferrou com minha vida!
                -Nenhum crime pode ser cometido impunemente, se não for pago aqui, o será quando passar para o outro lado da existência. Você acreditava que eu gostava de matar, não era? Pois é, agora deve estar entendendo o que acontecia comigo.
                Sirenes indicavam a chegada das viaturas à sua casa, Hernani não tinha como escapar.
                -Droga, o que eu vou fazer? – o desespero tomara conta do rapaz.
                -Irá pagar o preço, assim como te disse. E sugiro que não ponha fim à sua vida, se o fizer, a cobrança se dará após sua partida, e garanto que será bem pior.
                De forma truculenta a porta da sala foi arrombada.
             Coberto de sangue já coagulado e fora de si os policiais lhe dada voz de prisão, esforçando-se para contê-lo.
                Hernani esbravejava coléricamente vendo a entidade, sorridente, se retirar calmamente do aposento, entidade visível apenas para ele.





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