Conto - A Dama da Noite

 

A Dama da Noite

Tenha muito cuidado quando sair de casa à noite...

No início da década de sessenta as pessoas tinham por hábito se recolherem mais cedo às suas casas fazendo com que à noite as ruas pouco iluminadas fossem também bem mais desertas.


Mas Alberto preferia não dar ouvidos às histórias que o povo contava a respeito da pavorosa assombração que aterrorizava os moradores do bairro. 


¨Isso é coisa de gente desocupada que gosta de pôr medo em quem tem a mente fraca¨, preferia pensar para se sentir mais tranquilo. 


Por ser obrigado a chegar em casa tarde da noite devido ao seu horário de trabalho essa era a única opção que encontrava. O que mais poderia fazer? Parar de trabalhar?


As histórias que contavam eram sobre uma belíssima mulher de cabelos escuros, vestida com roupas decotadas e chamativas, que caminhava sozinha pelas ruas do bairro nas horas mortas e que, sem pudor algum, se insinuava para todo tipo de homem que cruzasse o seu caminho, não importando se fosse jovem ou velho, solteiro ou casado, pobre ou rico. 


O desavisado que caía em seus encantos era levado para algum beco escuro e, ao se entregar às carícias da irresistível moça, descobria estar abraçado à um esqueleto fétido cujo toque então se tornava frio como a morte.


Os mais corajosos conseguiam sair correndo, em pânico, enquanto os mais covardes só eram encontrados pela manhã, desacordados, com inexplicáveis marcas no corpo que, após curadas, deixavam-lhes horríveis cicatrizes. 


Com seus sessenta e poucos anos, totalmente saudável e são, ele acreditava já ter passado da idade de acreditar nesse tipo de coisa, mas ainda assim voltava para casa com passos apressados, evitando até mesmo olhar para trás. Era como se no fundo ele acreditasse naquelas histórias, mas preferisse mentir para si mesmo e assim poder encarar as ruas desertas. 


Certa noite, quando o bairro estava coberto por um manto de silêncio e trevas, Alberto seguia seu caminho de costume para casa quando percebeu que, numa esquina adiante, uma mulher o espreitava. Seria a tal mulher de quem tanto falavam?


Com o corpo trêmulo de pavor fingiu não vê-la, apertou o passo e atravessou a rua, talvez assim ela o deixasse em paz. Marieta o esperava em casa com o jantar quentinho, ele jamais se renderia aos encantos dela e, como não lhe deu atenção, procuraria outro para assediar.


Mas Alberto estava enganado, a mulher seguiu em seu encalço, e por mais que tentasse ir mais rápido ela se aproximava cada vez mais com seus passos sutis, ágeis e silenciosos que só uma entidade pode ter. 


Já aterrorizado, quase sem fôlego e molhado de suor o pobre homem conseguiu chegar ao portão de casa, acreditando enfim estar em segurança. Mas estava enganado, ele já tinha atravessado o jardim e nervosamente tentava encontrar a chave para abrir a porta quando percebeu que a mulher não só chegara ao portão como o tinha atravessado sem precisar abri-lo e continuava se aproximando com seu andar insinuante e um sorriso ao mesmo tempo sedutor e diabólico.


Apavorado, Alberto deixou o chaveiro cair no chão e, ao se virar, a viu ali há poucos centímetros dele, o encarando, sorridente.

 

Nos olhos da mulher, emoldurados por um rosto pálido como o de um cadáver, ele pôde ver chamas como vindas do inferno e um murmuro tétrico ecoou em sua mente “Você é meu.”


Não, ela não se transformou em um esqueleto e não emanou nenhum odor fétido, como contavam as histórias, pelo contrário, se mantinha belíssima, mas ainda assim Alberto soltou um grito de pavor e acabou desmaiando.


Ouvindo o marido Marieta veio em seu socorro e o encontrou sozinho, caído ao pé da porta. De imediato suspeitou se tratar de um ataque cardíaco e pediu socorro.


Logo uma ambulância o levou até a Santa Casa da cidade, mas as suspeitas da senhora estavam erradas, o coração de Alberto não apresentava nenhuma anomalia, ao contrário de seu corpo, repleto de marcas semelhantes à mordidas e unhadas.


Após o episódio Alberto nunca mais foi o mesmo. Pediu afastamento do trabalho e se tornou uma pessoa arredia, entristecida, de poucas palavras, frequentemente encontrado olhando para o nada e que nunca mais se atreveu a sair à noite.


Era como se a tal mulher tivesse lhe sugado a vitalidade.


Após muito tempo tomou coragem e contou para a esposa sobre o que tinha acontecido. Marieta a princípio desconfiou daquela história, mas com o passar do tempo acabou acreditando, afinal que outra explicação poderia existir tanto para o que tinha acontecido naquela noite como para aquela mudança do marido?


Passaram-se alguns meses para que Alberto, que desde então carregou no corpo as terríveis cicatrizes daquele encontro, viesse a falecer. 


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