Esse conto já foi publicado aqui no blog, em abril de 2010, e é um dos mais lidos, mesmo após tantos anos.
Em comemoração aos dez anos de existência do blog acredito que ele deva ser republicado.
“Segundo a antiga crença de uma etnia indígena, quando
ocorre o nascimento de gêmeos um deles deve ser sacrificado, pois carrega
consigo a essência do mal.”
Baseada nessa lenda, a aldeia se preparava para a noite do
sacrifício. Era uma data importante, pois naquela noite se livrariam de ter
entre eles a encarnação do mal.
Poucas semanas de vida, quisessem ou não, a mãe já tinha
amor por aquelas crianças. O amor maternal não escolhe o bem ou o mal e ambos
já a haviam cativado desde que estavam em seu ventre.
Como, no futuro, olhar
para um sem se lembrar do outro?
Pensou em fugir com as crianças para evitar a morte do
filho, mas ainda que o amor fosse grande ela temia a maldade que um deles
carregava dentro de si. Essa maldade traria desgraças a todos da aldeia, até
mesmo ao mundo.
Para nós, “brancos”, era uma barbárie, mas para os indígenas
daquela etnia não era nada além de uma chance de provar ao Grande Deus que eram
capazes de cumprir seu papel e honrar seus costumes.
Chegou então o momento. Céu limpo e lua cheia iluminando
todo o local. Todos os moradores, e alguns convidados de aldeias próximas,
formavam um enorme círculo ao redor do que era uma espécie de altar. Sobre ele
ambos os bebês estavam deitados, pintados nas cores, conforme ditavam os costumes,
alheios ao fatídico destino de um deles.
A mãe, que se derramava em lágrimas, era amparada pelo
marido e pelas irmãs.
O pajé, em meio a canções entoadas por todos, bebeu de um só
gole um chá feito a partir de raízes e folhas misteriosas. Deu umas baforadas
em um bem adornado cachimbo de madeira e finalmente entrou em contato com os
espíritos ancestrais. Eles lhe diriam qual das crianças carregava dentro de si
o espírito do mal. Era responsabilidade deles identificar a criança boa da
criança má. O pajé seria apenas seu instrumento de justiça.
Olhos fechados, como num profundo transe, o velho índio
proferia palavras para nós incompreensíveis e, ao abrir os olhos, num único e
certeiro golpe, rasgou o peito de uma das crianças com um punhal feito de
quartzo azul. O sangue escorreu pela rocha polida até o chão de terra batida.
A criança sequer chorou. Sua morte foi instantânea e
cânticos indígenas foram entoados para encerrar a cerimônia.
Assim que a mãe apanhou a criança sobrevivente uma
torrencial chuva, que chegara repentinamente, desabou sobre a aldeia.
Era o Grande Deus lançando sua bênção sobre eles, por terem
cumprido com seu papel. A chuva servia para purificar o solo, as plantas, os
animais e os índios. Almas lavadas.
Passaram-se os anos e o acontecimento já tinha quase sido
esquecido.
O então bebê agora já tinha treze anos e em breve se
tornaria um guerreiro. Já há algum tempo era treinado com essa finalidade e seu
pai se encarregara disso, utilizando as armas e as técnicas de batalha de sua
cultura.
Numa manhã nebulosa, porém, a aldeia estava deserta. Nenhum
índio saiu de sua oca. Nenhuma fogueira foi acesa e nenhum desjejum foi
preparado. As abundantes crianças que normalmente estariam perambulando por
todo lado tinham desaparecido.
De pé sobre o altar onde outrora seu inocente irmão fora
morto, o índio de alma maligna gargalhava ensopado com o sangue de todos os
moradores da aldeia.
O pajé havia se enganado quanto à criança a ser sacrificada.
*Ainda hoje, em pleno século XXI, tal crença ainda faz parte
dos costumes de alguns povos.
Biografia
Oscar Mendes Filho - Renascido em 01.12.1975 Oscar é
paulistano, casado e pai de dois filhos. Possui treze obras publicadas:
Prisioneiro da Eternidade – RPG, Contos Para Nunca Esquecer, Hanz, Prisioneiro
da Eternidade, Prisioneiro da Eternidade II - A Redenção, Joshua, Contos Para
Nunca Esquecer Vol. II, Sombras do Castelo, Waverly Hills – a Morada do Mal, A
Fúria do Tarrasque, Relatos Macabros I e II e Você Quer Ser Escritor(a)?
Também é responsável pelo blog Prisioneiro da Eternidade (www.prisioneirodaeternidade.blogspot.com)
onde publica contos de sua autoria e algumas notícias acerca da sua carreira.
Página oficial: http://www.livrosdeterror.wix.com/oficial
Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/oscar.nothmann
Adorei este conto. Parabéns, Oscar.
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