Tarde
da noite padre Jhones caminha devagar pela nave vazia, acabara de fazer a missa
a qual havia demorado mais que o comum, cansado, em seu coração só havia um
apelo, uma cama bem quentinha, o peso da idade era tanta que o padre as vezes
deixava-se passar o tempo sentado olhando a grande cruz à sua frente, mas
naquela noite não, naquela hora tudo que ele mais queria era ver tudo fechado,
estava excessivamente exausto, o ritmo das confissões tinha triplicado nos
últimos dias e ele já pensava na merecida aposentadoria.
Olhou
para a pesada porta à sua frente e quando tentou fechá-la alguém impediu,
assustado olhou para a pessoa já tentando explicar que voltasse outro dia, mas
ao encará-la parou de falar, seus olhos eram brilhantes e de certa forma ele
até esqueceu do que falava e perguntou.
- Pois
não moça? - perguntou com ar bondoso.
-
Teria um tempinho padre? Para uma conversa, sabe... - sua voz soava como
melodia.
O
pedido veio com tanta meiguice que o padre Jhones não teve como negar, até
pensou duas vezes depois de ter acordado de uma espécie de transe ao qual se
viu perdido ao fitar olhos tão envolventes, por fim consentiu com a cabeça e
dirigiu-se para uma portinha de madeira na lateral e pediu que ela o seguisse,
ele entrou na cabine cuidadosamente adornada e abriu a portinhola.
- Pois
não filha, estou aqui para receber tua confissão em nome de, Deus Pai Todo
Poderoso. - falou o padre com a voz rouca.
-
Então quer dizer que eu teria que começar com a frase... "Perdoe-me padre,
pois eu pequei..." – falou a moça num tom frio e calmo.
- Você
pode começar como quiser minha filha... – Jhones estranhou o tom de voz, sentiu
um breve arrepio, mas, deixou a cisma de lado.
-
Primeiro, vamos fazer um acordo, pare de me chamar de filha, que eu penso se te
dou mais uns aninhos de vida ou não!
- O
qu... – o padre foi interrompido.
- Eu
disse que queria conversar, e não que vim me confessar... Entendeu? – ao final,
a voz da mulher saiu com rispidez.
O
padre ao ouvir aquilo tentou sair da cabine, mas agora o urro que ouviu pareceu
vir do mais profundo inferno.
-
NÃO!!!... - a mulher acalmou a voz novamente e continuou. - Se eu fosse você
ficaria paradinho e me ouvindo, senão eu posso perder o fio de paciência que
tenho... - o padre estacou, sua respiração ficou pesada.
- Meu
querido Jhones, agora sim... Gosto da sua submissão!
- O
que quer de mim? - perguntou Jhones com voz trêmula.
-
Quero te contar um pouco de mim. O que faço, como vivo e depois o seu destino
poderá mudar, nem Deus poderá te ajudar agora, meu querido... Mas, como disse,
isso, ainda estou decidindo.
- Por
que eu?
- Você
foi meu escolhido há exatos 76 anos.
O
padre engoliu seco, essa era exatamente a idade dele. A mulher o assustava
agora, queria fugir, mas estava com medo demais para se atrever a deixá-la mais
zangada.
- Você
disse 76, por quê? – o medo dele já era evidente.
- Isso
mesmo, não precisa duvidar, falei mesmo de você! Te conheço, Jhones desde que
era um lindo bebê, conheci seus pais, seus irmãos e hummm, deixa ver... Uma
tia.
- Mas
eu sou órfão, nunca conheci minha família, acho que você está falando com a
pessoa errada.
- Você
vem de uma linhagem de caçadores, e eu tive que interromper o ciclo para acabar
com essa raça... Sua raça!
- Acho
que você precisa de ajuda mocinha, você é muito nova e tem chance ainda.
- Haaa,
que lindo, tanta inocência, sabe o que eu sou? Uma vampira e deixei você viver
muito tempo, acho que errei nisso, foi uma falha minha, hoje vim consertar esse
erro, pois o caçador adormecido pode acordar, sei que você sozinho não me daria
dor de cabeça, só vim aqui para terminar o que comecei, somente isso.
- Sabe
Jhones, Matei sua família há muito tempo, lembro de como seu pai implorou, uma
vergonha um caçador do calibre dele chorar feito um bebê, acho que foi por isso
que minha ira cresceu também em cima de seus irmãos, sua mãe te defendeu até a
morte, hum, muito tocante, já sua tia, morreu por que tentou fugir deixando todos
para trás, covardia me enoja!
Ao
terminar de falar Melanie abriu uma fresta na portinhola e jogou uma foto
antiga onde todos da família estavam muito felizes, e ainda falou:
- Vê o
bebezinho? É você! – E sorriu.
O
padre Jhones perdeu a fala, olhando a foto seus olhos começaram a marejar, mas
ficou calado, pensou ainda que se tratasse de uma louca, pensou tantas coisas,
mas no final, acabou fitando a foto com tanta tristeza, que não soube o que
falar e a vampira continuou.
- Sabe
essa correntinha que você está usando e nunca se separa? Essa letra M é do meu
nome, e não de uma mãe que você imaginou tanto tempo.
Aquilo
bateu fundo em seu coração, ela sabia até do seu tesouro, a corrente de ouro
que foi encontrada com ele e que ele sempre pensou que tivesse sido de sua mãe
ausente, única coisa de valor que realmente possuía, um valor sentimental e
então Jhones sentiu-se invadido, pensou estar às margens da loucura. Arrancou a
corrente e atirou-a ao chão, sentiu falta de ar, aquele cubículo estava
apertando sua vontade de gritar e sair correndo.
- Acho
que é hora! Vou terminar com seu sofrimento, pois para fechar o ciclo, preciso
de algo seu, o sangue do último dos Ferrato e esperei muito tempo, foi muito
tempo te vigiando, te cuidando, mas você está chegando ao fim e antes que esse
fim chegue, preciso pegar o que é meu... sabe, por causa do sangue da tua
linhagem consegui identificar e exterminar quase todos os que se meteram a
besta com minha raça, até certos traidores foi fácil matar, pois você não sabe,
mas seu pai, o grande Lucien Ferrato foi como eu, um vampiro, um ótimo vampiro
mas sua mãe tinha que aparecer... ele não tinha que ceder a um sentimento comum
entre mortais, mas cedeu e virou caçador, viveu feliz por um tempo formando sua
família, mas não ficou quieto no canto dele e saiu caçando a própria raça,
traindo NOSSA espécie, seu erro pior foi ir atrás da pessoa a quem ele havia
traído cruelmente, a quem por causa de uma bruxa, foi desdenhada, e que por
causa da traição já alimentava uma vingança, EU!
Seu
erro fatal foi vir atrás de mim, não sei como consegui minha vingança, acho que
minha raiva naquele momento ficou mais forte que o desejo dele por salvar os
seus, e consegui investir contra ele.
- Mel falava, explicando, envolvida em
lembranças.
- Mas
por que me deixou viver? - perguntou o padre num fio de voz.
- Por
que você é o único filho que ele teve, quando ele conheceu sua mãe, ela já
tinha seus irmãos, e até hoje eu me pergunto, como ela conseguiu engravidar
dele, que feitiço ela fez, para que isso acontecesse?... Acho que isso te
intitula uma aberração pior do que eu. Deixei você viver ainda por amor a seu
pai, fui fraca, e te deixei num convento com minha correntinha. Você cresceu e
ficou muito parecido com ele, eu ficava te olhando por muito tempo, mas agora
te devo o descanso, não vejo mais em você o homem a quem tanto amei no passado.
O
padre ainda tentou falar, mas já faltava pouco pro sol nascer, Melanie
precisava muito do que foi buscar e sem nenhuma pena ao ver aquele rosto
envelhecido em sua frente, nada mais lembrava o traidor que ela nunca
esqueceu...
Pela manhã, chegou a
primeira beata e abriu a igreja como sempre fazia, o grito ecoou no salão
vazio, os outros que chegavam já para a missa da manhã, correram assustados ao
encontro da mulher, qual não foi o espanto de todos ao ver o padre deitado
abaixo do altar, com as vestes rasgadas, o corpo cheio de talhos e perfurações
e, no chão, no meio da poça de sangue encontrava-se a foto e a correntinha que
ele nunca se separou.
Biografia
Regina Castro, nascida em Natal – RN, em 1976.
Publicou os contos: LEMBRANÇAS, na Antologia Internacional Del’Secchi Vol. 13, ABRAÇO VIRTUAL, na antologia, O Grimoire dos Vampiros, Literata, FÚRIA ESCARLATE, na Antologia Bandeira Negra, Multifoco, TREVA E LUZ, na Antologia Asgard – A Saga dos Nove Reinos, Jambô e SEGREDOS DO OUTRO LADO DO VÉU, na Antologia Mentes Inquietas, Andross.
Excelente!!!!
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