Conto - Festa Eterna.

contos de terror

Festa Eterna



O taxi deu a volta na pequena rotatória que marcava o centro do condomínio e encontrou uma vaga para estacionar perto da entrada do prédio 2. As grossas gotas da chuva torrencial refletiam e multiplicavam o brilho dos faróis e, apesar dele, mal dava para ver a entrada do saguão. Hamilton pagou ao taxista e desembarcou. As botas protegiam seus pés da enxurrada e o sobretudo, o corpo; mas mesmo assim ele entrou no prédio se sentindo ensopado, pois os cabelos pingavam e seus óculos embaçaram. Enquanto aguardava o elevador retornar ao térreo, ele tentou sem muito sucesso secar as lentes dos óculos na barra da camisa. – “ Maldição!...” – pensou – “ Parece que o céu está desabando com essa chuva!”

Um trovão ribombou de forma violenta e o barulho da chuva cresceu como se respondesse afirmativamente ao pensamento de Hamilton. As luzes do saguão piscaram por um momento e voltaram ao normal, aliviando Hamilton. Só lhe faltava agora ter que subir doze andares de escada após chegar cansado de viagem quase às duas da madrugada! Mas as portas do elevador abriram suavemente convidando-o a finalmente chegar em casa de fato, no seu acolhedor apartamento.

Foi ao pegar as chaves no bolso do sobretudo que ele notou o que havia sobre o capacho. Um envelope vermelho e preto, sem nome de remetente ou de destinatário. Dentro, um convite em papel espesso negro, com letras prateadas rebuscadas e um símbolo estranho no canto direito, como se fosse uma assinatura: duas serpentes entrelaçadas, uma mordendo a cauda da outra. Hamilton lembrou-se que já havia visto aquela figura antes, só não lembrava onde.

O convite indicava a data do dia seguinte, um endereço nos arredores da cidade e não trazia maiores detalhes nem nada que indicasse quem enviou. Cansado como estava, Hamilton apenas jogou os papéis sobre a mesa, foi tomar um banho e dormir. A chuva permanecia forte.

Após uma noite de sono profundo, porém nada reparador, onde pesadelos com as serpentes do símbolo e uma estranha mulher de olhos verdes penetrantes o importunaram, Hamilton acordou sentindo-se mais cansado que antes. Felizmente a chuva passara e um belo sábado de sol e céu limpo o aguardavam. Tomando uma xícara de café forte ele deu atenção novamente ao estranho convite, então reparou que em letras menores na base havia um telefone para confirmar a presença. Podia ser qualquer coisa: Um evento patrocinado por alguma marca, uma festa exótica de algum conhecido, uma pegadinha de um programa da TV... Hamilton só não pensou na possibilidade de ser uma armadilha. Após o almoço decidiu ligar. Do outro lado da linha, uma voz sensual:

-Alô? Sr. Hamilton?

-Sim. Liguei por causa do convite. Quem enviou?

-Não estou autorizada a passar essa informação, Sr. Hamilton. Posso apenas dizer que o evento será inesquecível e que sua presença será muito importante. Posso confirmar sua vinda? Se concordar, um carro estará lhe esperando precisamente às vinte horas em frente ao seu condomínio.

Hamilton pensou um pouco e ficou ainda mais curioso. O que poderia ser tão especial?

-Sr. Hamilton? Preciso de sua confirmação. – perguntou a voz sensual, com uma ponta de impaciência quase imperceptível.

-Desculpe... Pode confirmar. – respondeu Hamilton, ainda um tanto indeciso.

-Excelente! Será uma noite especial para todos, Sr. Hamilton.

O restante do sábado correu normalmente, embora a ansiedade gerada pelo tal convite não deixasse Hamilton pensar em outra coisa. Após uma breve pesquisa na internet, ele encontrou o símbolo do convite: seu nome era Ouroboros e simbolizava a eternidade. “...Segundo o “Dictionnaire des symboles” o ouroboros simboliza o ciclo da evolução voltando-se sobre si mesmo. O símbolo contém as ideias de movimento, continuidade, autofecundação e, em consequência, eterno retorno...” – leu em um site.

Exatamente às vinte horas o tal carro chegou. Hamilton reconheceu o brasão do Ouroboros no discreto aplique na porta, próximo ao retrovisor. A porta traseira foi aberta e Hamilton teve a primeira surpresa da noite: A mulher que vira no seu sonho estava ali, com olhos verdes que pareciam atravessá-lo, o corpo escultural num vestido justo preto e vermelho, o farto cabelo solto caindo sobre os ombros nus.

- Prazer... Sou Valquíria. Entre Sr. Hamilton... Antes que pergunte algo, sua curiosidade será satisfeita em breve. Até lá, peço que aguarde. – Aquela então era a dona da voz sensual que lhe atendera ao telefone... Já dentro do carro, com os vidros fechados, todo o som da rua desapareceu. Valquíria exercia um inexplicável fascínio sobre Hamilton, que não ousou dizer uma palavra durante o trajeto.

Cerca de 40 minutos depois entraram numa estradinha deserta ladeada por árvores e muito mato. A única iluminação era a dos faróis do carro. Após uns quinhentos ou seiscentos metros pararam na frente de um grande portão de ferro, que se abriu para lhes dar passagem.

-Chegamos. – Disse a mulher, sorridente. - Seja bem vindo! Mi casa és su casa!

Tochas iluminavam o caminho até a casa, uma mansão em estilo vitoriano, ainda mais impressionante com a iluminação do fogo. Valquíria desceu, seguida por Hamilton. Dois seguranças enormes guarneciam a entrada. Ambos usavam terno preto e máscaras de caveira extremamente realistas. E dentro novas surpresas aguardavam Hamilton.

O pessoal lá presente se esmerou nas fantasias exóticas, aquilo estava parecendo mais um episódio do Face Off! Hamilton não se lembrava do convite mencionar uma festa a fantasia... Estava tão fascinado que não percebeu quando Valquíria trancou a porta principal do salão.

Haviam muitas pessoas no amplo espaço. Servindo bebidas, garotas com fantasias que lembravam a personagem Samara do filme “O Chamado”. Uma delas lhe estendeu a bandeja oferecendo uma taça com um coquetel escuro de cheiro agradável, frutado. Antes que pudesse perguntar o que era, a garota se esgueirou de volta entre os convidados. Hamilton provou a bebida, cujo gosto era adocicado. “Deve ser de frutas vermelhas..” – pensou, tomando um gole mais generoso. Apesar de não ser fraco para o álcool, sua cabeça pareceu girar imediatamente e a vista escureceu por um momento. Os estranhos convidados olhavam para ele e sorriam... Um instante depois tudo apagou.

...

Quando voltou a si, viu o teto da casa envolto em brumas que se dissipavam à medida que ele recobrava a consciência. Ouviu a voz de Valquíria e percebeu que ela estava de pé ao lado dele.

- Meus caros! – Ela falou erguendo os braços numa saudação efusiva – Alegrem-se, pois temos aqui um novo convidado para nossa festa!

Hamilton não entendeu de imediato o que ela dizia, mas os presentes ergueram taças e responderam com entusiasmo. Ao tentar se erguer percebeu que estava preso a correntes sobre uma espécie de mesa de pedra, que não se lembrava de ter visto antes. As figuras formavam um círculo em torno dele e comemoravam, riam e brindavam com taças repletas daquele licor esquisito. Tentou gritar, mas a voz não saía.

Valquíria se debruçou sobre ele que, horrorizado, viu o belo rosto da mulher se transformar numa máscara pálida emoldurando olhos injetados, o sorriso foi substituído por um esgar que mostrava dentes pontiagudos e uma língua enegrecida e áspera passou sobre seu rosto deixando-o enojado. Ela deu uma gargalhada e ergueu um braço esquálido cuja mão ossuda portava uma faca. Antes do golpe fatal, olhou para ele sorrindo e disse:

- Daqui a pouco você será um de nós, Hamilton. Saiba que este festim não termina nunca. Estamos numa dimensão onde não existe a morte, apenas a celebração eterna, alimentada pela captura de mortais como você para manter nossa espécie com sua energia vital. É dela que é preparado o líquido que você bebeu. A maioria não resiste e sucumbe, tendo seus corpos inúteis abandonados no espaço entre as dimensões. Mas uns poucos, especiais como você, permanecem vivos. Estes ficam aqui, fazendo parte dos convivas. 

Com um golpe Valquíria corta a garganta de Hamilton. Ele estremece, seus olhos se arregalam e as correntes que o prendiam se desvanecem. Lentamente ele se ergue, com sangue minando da garganta recém cortada. Leva a mão ao pescoço e observa seus dedos banhados em sangue fresco. Valquíria o toma pela mão e leva para o salão, de onde nunca mais se sai até que precisem buscar um novo convidado.

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Ronaldo Costa


Biografia

Ronaldo Costa - Sempre fui fã de literatura fantástica e adoro ler… Daí, escrever meu primeiro livro foi um passo natural nessa evolução e agora, depois de longos anos de preparação, estou divulgando “Cross – A Ascensão de Sophia”.
Antes de me aventurar a escrever um romance desse gênero, fui autor de um blog sobre Gestão da Qualidade, o Qualiblog, onde publiquei artigos sobre o tema (alguns inclusive reproduzidos em revista especializada da área, a Banas Qualidade) e também produzi e-books voltados a esse público, que tiveram grande aceitação e ainda hoje são procurados no blog, que está atualmente sob a direção do meu amigo Rigoni.
Assim como na época em que eu estava à frente do Qualiblog, aqui também quero dividir esse espaço com leitores e interessados, pois a opinião de vocês é que guiará meus trabalhos futuros, na intenção de oferecer a vocês bons momentos de entretenimento com a leitura de novas estórias…
Grande abraço a todos!!!



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