Conto - O Fantasma da Cripta da Sé.

contos de terror


Madre igreja, pilar eterno da fé onde reina fecunda a mais viva crença na ressureição da nossa alma após a morte em Cristo, venho aqui confessar meus pecados e minhas faltas oriundas dos meus pensamentos mais vis...

Cristão por batismo e tradição de meus avós paternos e maternos, cresci dentro de teus domínios procurando ser o mais fiel devoto não faltando nunca às missas e ao eventos e festas da cristandade dentro do calendário romano.

Quando entro aqui sinto uma paz e um conforto sublime, nem a baixeza da terra, nem a grandeza do céu, porém e um lugar intermediário entre Deus e os homens de boa vontade, e um lugar grandioso e nobre construído por gente que um dia pensou a ideia do sagrado de forma perfeitamente artística seguindo os traços marcantes da fé, um lugar de retiro, de oração e reflexões onde ajoelho-me triste e sozinho, fecho meus olhos e peço ao todo poderoso que livre-me das formicações mundanas e dos pecados do corpo, das aparições demoníacas que atormentam nossas almas.

A Catedral da Sé no centro da cidade de São Paulo sempre foi para mim um ponto turístico de cunho religioso ideal para uma pausa e visitação, sua arquitetura gótica impressiona até os mais broncos indivíduos, sendo realmente uma obra de arte magnânima a céu aberto, exposta ao público como ponto central testemunho do fundamento da cidade pela antiga ordem jesuítica do beatificado padre José de Anchieta.

Seu idealizador o alemão Maximiliano Hehl procurou seguir o estilo das grandes catedrais da Europa aprovados pelo cardeal Don José Gaspar D Fonseca por volta de 1913.

Das minhas heranças e peregrinações pelo grande centro na compra de livros raros para minha biblioteca, acabei conhecendo um bela jovem rameira que atendia seus clientes em um prostíbulo atrás da grande catedral, na praça João Mendes, próximo ao sebo do Messias.

Ivonne! Doce criatura de cabelos negros como a escuridão da noite, olhos de um azul celeste divinizados de tanta beleza, jovial ninfa saída dos livros da mitologia grega, perdida no submundo da luxúria e do prazer, e foi assim, atraído por esta Vênus citarei que acabei apaixonado por seus encantos, tornando-me com o passar do tempo, não apenas o seu cliente exclusivo e devoto, mas agora também seu fiel amante, admirador de todas as horas.

Assim deixei-me levar por longos cinco anos, arrastado a todo tipo de devaneios e sonhos que em seus braços ganhavam a forma ideal da felicidade e do paraíso, onde seu rosto lindo era sempre uma luz brilhando no meu caminho dando um sentido para minha vida.

Minha fé com o tempo acabou comprometida, porque todas as vezes que eu saia da Catedral, inevitavelmente passava próximo onde estava aquela que prendeu-me o coração, princesa que reinava junto a mais oito perdidas jovens tão belas que completavam um perfeito harém.

Prostituição, instituição tão antiga que perde-se no tempo, tão acolhedora quanto a igreja, sempre pronta a confortar os danados e os solitários, sendo necessário apenas a contribuição de um dízimo em dinheiro vivo para encontrar o paraíso nos braços de uma perdida...

Pelas proximidades da catedral uma multidão de gente perambulando de um lado a outro, entrecruzando-se com grupos de protestantes e deserdados da fé católica agitam o pátio central misturando-se aos mendigos e ladrões de rua em uma balbúrdia impressionante, os evangélicos que seguiram as pregações do monge alemão Martinho Lutero no tempo da reforma ajudaram e contribuem até os dias de hoje para a grande cisão crista.

Neste cenário confuso uma parte de mim está presa em recordações de ardor religioso, amor eterno, e prazeres onde a felicidade de um grande amor e a ilusão verdadeira e o sentido de tudo.

Com Ivonne ao meu lado as visitações da catedral ganharam outra dimensão, aquela do tamanho do paraíso e ela sempre comentava comigo que abaixo do altar principal havia uma entrada subterrânea que conduzia os visitantes a uma escadaria toda entalhada em mármore de Carrara que dava para uma Cripta mais restrita ...

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Minha musa apesar da vida mundana que estava levando tinha uma devoção religiosa significativa e no seu tempo livre refugiava-se na Catedral como uma Madalena conhecida pelas escrituras do novo testamento, sozinha ou acompanhada da minha pessoa fazia suas orações adentrando no conforto deste majestoso palácio espiritual.

Lembro-me perfeitamente e foi em uma terça-feira de inverno que eu havia ficado com Ivonne, logo após passeamos juntos na praça Joáo Mendes indo em direção à rua da Glória, na Liberdade.

Em seguida fomos à Catedral e resolvemos visitar a Cripta de que tanto Ivonne falava-me, já na entrada da Cripta, um visitante mais desinformado muito mal poderá notar que adentrando portão abaixo poderia dar em uma majestosa Cripta mortuária, e lá fomos então adentrando pelas escadarias em declínio subterrâneo que nos conduzia a este reduto de silêncio...

A grandiosa capela subterrânea da Cripta foi construída em forma de cruz com características góticas marcantes que abrigavam no seu interior um altar suntuoso em mármore e diversos túmulos de cardeais e arcebispos que fizeram parte da rica História de São Paulo e da própria construção da Catedral.

Observei atento em uma contemplação arrebatadora, os túmulos em bronze e mármore dos ilustres Padre Diogo Antônio Feijó e do Cacique Índio Tibiriçá considerado primeiro cidadão de São Paulo de Piratininga.

Por alguns instantes eu e Ivonne ficamos em silêncio sentados nos estofados vermelhos dos bancos de madeira de lei e somente nós dois estávamos ali observando o teto da capela com finíssimo acabamento em arcos e espirais em ângulos geométricos completamente sublimes pela exatidão da medida perfeita, uma dignidade de poder eclesiástico invejável e de grande valor arquitetônico, e assim fizemos nossas orações envolto neste silencio pitoresco, fechamos por uns instantes os nossos olhos e ao abri-los percebemos que o zelador da Cripta havia apagado as luzes e fechado a Cripta por fora sem que notasse nossas presenças ali dentro, de modo que ficamos presos naquele recinto agora de aspecto lúgubre!

Neste meio tempo deparamo-nos com algo quase indizível em palavras, onde uma luz azulada em fogo fátuo tomava a forma de um espectro reluzente de estatura alta e brilhosa, com um enorme candelabro em uma das mãos a imagem fantasmagórica arrastou-se lentamente à nossa frente de um lado ao outro como alguém que se debate atormentado por décadas!

Um aroma de flores de cravo pode ser inalado por nossos olfatos, uma brisa que não sabia-se ao certo de onde vinha soprou sobre nossos rostos enchendo-nos de um terror peculiar seguido de uma sensação estranha, um misto de medo e pavor por dar-se conta de que não estávamos sozinhos e ainda mais estávamos presos lá dentro da Cripta agora!

Agarrei firme as mãos da minha amada que trêmula ainda conservava-se bela e encantadora porém muito apavorada insistiu que saíssemos dali o mais rápido possível e assim sem olhar para traz subimos as escadarias e batemos no grande portão de ferro para que o zelador abrisse logo e assim o fizemos enquanto o fantasma perambulava reluzente pelo recinto da Cripta.

Ouvimos barulho de chave e logo o portão foi aberto e o zelador pediu desculpas por ter trancado eu e Ivonne lá dentro alegando que não havia notado nossas presença quando fechou e apagou as luzes da capela, saímos pálidos e comunicamos a ele o que havíamos visto lá dentro o que a ele causou um ar de zombaria pela nossa absurda narração!

...

Próximo à sacristia, defronte a entrada da Cripta, deparamos com um órgão de fino acabamento artístico de fabricação italiana instalado ali por volta de 1954 e um banco maciço do qual o zelador pediu para sentarmos devido nosso aspecto de pavor perante aquilo que narramos a ele, ou seja a aparição daquele espectro horrendo todo reluzente.

Enquanto o zelador retirou-se a buscar um copo com água para nós, vimos diante de nós mais uma vez o vulto espectral agora subindo as escadas da capela e saindo passando próximo a nós indo esconder-se por traz daquele imponente instrumento musical e em seguida em velocidade vertiginosa entoou furiosamente notas musicais em compassadas escalas rítmicas dissonantes de uma tocata e fuga do conhecido padre e músico mineiro Padre José Maurício Nunes Garcia.

Para nosso maior espanto o maestro deste belíssimo improviso era o próprio fantasma visto lá dentro da capela da Cripta que fazia entoar aquele espetáculo musical arrepiante onde os ecos encheram todos os espaços da Catedral pela sua nave principal de 1600 metros quadrados seguindo nas direções dos espaços onde estão expostos os imponentes quadros da mãe de Cristo e do Apóstolo Paulo.

Assim assistimos por cinco minutos aquele concerto macabro, tempo suficiente para retorno do zelador com um copo de água e a companhia do arcebispo da catedral que julgou ser um de nós a tocar no instrumento musical sem permissão oficial de sua autoridade!

Alguns curiosos que estavam naquela tarde dentro da catedral também se aproximaram de nós para saber o que estava de fato ocorrendo e neste meio tempo tudo ficou em silêncio e o fantasma desapareceu como um sopro vindo do além...

O arcebispo, após acalmar-nos, compreendeu perfeitamente aquele fato inusitado e acabou explicando não somente a nós, mas aos curiosos ali presentes que se tratava de um fantasma realmente já a muito conhecido por ele e pelo zelador e que o fato ocorrido deveria ficar em segredo para não provocar pânico nas pessoas, pois segundo ele era o fantasma de um Cardeal que havia morrido em condições suspeitas de suicídio em pecado por um caso secreto com uma mundana e quebrado assim seu voto de castidade.

Este que foi sepultado ali seria então o assustador espectro que apareceu e depois de reluzir na Cripta acabou por sair de lá e tocar no instrumento musical aquelas notas musicais.

Após este esclarecimento significativo por parte do arcebispo saímos da catedral eu e Ivonne e seguimos em silêncio no meio da Praça da Sé desaparecendo daquele cenário descrito aqui nesta História...


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Biografia

Marcos T. R. Almeida - nascido na cidade de Mauá, estado de São Paulo, é professor de História e Filosofia, artista plástico e escritor, autor dos livros: O espirito Byroniano e Arquivos Dispersos do Corvo além de ter sido colaborador de textos sobre cinema, artigos e contos de terror para diversos fanzines e blogs na internet, também escreve poesia no estilo Byroniano. Desde muito cedo sempre esteve envolvido ativamente no cenário underground e alternativo, colecionador de filmes de terror e outros gêneros interessantes. Politicamente, está alinhado mais aos ideais Monárquicos da Nação Brasileira sendo assíduo observador e crítico do cenário político atual.


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4 comentários:

  1. Impressionante Marcos Tadeu Almeida...Agradeço imensamente por compartilhar suas obras...
    Me sinto privilegiada por conhecer seu talento de perto!

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  2. Impressionante Marcos Tadeu Almeida...Agradeço imensamente por compartilhar suas obras...
    Me sinto privilegiada por conhecer seu talento de perto!

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  3. Uau parabéns professor otimo trabalho orgulho de ter sido seu aluno

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