Conto - O Primeiro Vampiro.





"um ser do inferno, possuidor de um elmo com chifres curvos como os de um búfalo"




Muitos não sabem, mas Vlad Draculea não nasceu conde. Sua origem é mais complexa do que se imagina. Na Romênia, no ano de 1431, depois de perder o filho no parto, a nobre condessa da Transilvânia tentou se matar cortando os próprios pulsos, porém foi impedida por seu marido. Este ordenou por segurança que retirassem todos os objetos afiados de seu aposento logo em seguida de o médico revelar que sua esposa nunca mais engravidaria. A condessa, que sempre sonhou em ser mãe, passou dias mergulhada num mar de desolação, implorando para Deus que lhe tirasse a vida.


Semanas depois, numa tarde cinzenta, uma senhora de meia idade, trajada com um roupão humilde de camponesa, apanhava ervas no matagal próximo do rio quando avistou um barco velho e de pequeno porte ser empurrado pelas calmas marolas, atolando nas margens barrentas. Curiosa, a senhora caminhou ao encontro da embarcação. Seu espanto foi tremendo quando descobriu, no interior do bote, uma criança com poucos dias de nascimento. Era um menino e estava morto. Desembrulhou-o do xale vermelho em que vinha enrolado. O pequenino tinha o corpo lívido como cera. Seus lábios possuíam uma coloração arroxeada. “Quem faria uma crueldade desta?” - perguntou-se. Carregando-o em seus braços, ela afastou-se da margem. Gritou por seu marido que não tardou a responder ao chamado. Condoeram-se. No momento em que o homem martelava um pequeno caixão rústico, sua esposa segurava a criança com evidente tristeza. O pequenino estava gelado como a lâmina de uma espada. Uma cova foi feita quase que embaixo de uma árvore seminua. Enterraram o menino e, por cima da areia, empilharam um pequeno monte de pedras para firmar uma cruz feita com finos galhos. O casal então ajoelhou e iniciou uma oração para que a alma daquele pequenino anjo encontrasse a luz.

Passados dois dias, perto de onde haviam enterrado o menino, a mulher que o encontrou no bote, de repente ouviu um som indefinido. Assustou-se. Sentiu medo por um momento. Caminhou com passos lentos, desconfiados, seguindo o som. Seus olhos arregalaram-se de maneira assombrosa quando se deu conta de que o ruído ouvido era um choro... um choro abafado de criança e vinha do local onde o  recém-nascido havia sido enterrado. Tomada por indescritível sentimento de desespero, em tom de urgência, ela passou a retirar as pedras empilhadas e a cavar com as próprias mãos enquanto gritava histericamente por seu marido. Mais uma vez, ele não tardou a chegar e, muito assustado, ajudou na escavação. Retiraram o pequeno caixão. O choro da criança estava mais evidente agora. “Como isso é possível?” - pensavam. Retiraram o excesso de areia da tampa. Abriram. “Meu Deus! Ele está vivo!” Era inacreditável. Inaceitável. Ambos ficaram calados por um tempo, tentando entender o que estava acontecendo, mas não tinham respostas lógicas. A mulher apanhou o bebê. Com a água do rio, limparam-no e, em seguida, levaram-no para um dos dormitórios do castelo onde trabalhavam e moravam. Cuidaram para que o garoto não fosse visto. Os guardas não o notaram escuso.
Neste mesmo dia, amargurada e solitária em seus aposentos, praticamente em estado de enfermidade mental, inexplicavelmente, a condessa ouviu claramente resmungos de uma criança. Não tinha certeza se era real ou apenas em sua mente. Levantou-se. Ganhou os corredores demonstrando perturbação. Caminhou com urgência pelas estreitas passagens do castelo. Nisso, seu marido surgiu assomadamente a sua frente e ela se assustou.
− Ouvi um choro de criança... − respondeu para o marido.
− Não há criança aqui, querida. Nosso filho morreu. − disse ele com amargura, segurando-lhe os ombros.
O conde percebeu que sua esposa estava se afogando em delírios. Seu quadro psicológico estava se agravando a cada dia. Sentiu-se inútil, incapaz de ajudar a mulher que amava. Conduzida para seu aposento, a condessa permaneceu todo o resto do dia acamada, falando sozinha, com o olhar de lunático. Situação que destruía seu marido por dentro.

No dia seguinte, ela ouviu novamente o choro. Decidida, vasculhou cada canto de sua propriedade, cada cômodo daquele imenso castelo. A choradeira aparentava vir dos aposentos dos criados. A cada corredor que virava, o som aumentava. Estava chegando perto. Finalmente, encontrou o que procurava sobre os braços de uma serviçal. Com uma mamadeira, ela tentava inutilmente alimentar a criança que apenas chorava. A criada assustou-se ao perceber quem a vigiava.
− De quem é essa criança?
− Não sei minha senhora, encontrei-a num bote, nas margens do rio. − respondeu a criada ressabida.
Com olhar alucinado, a dona do reino aproximou-se. Sob silêncio, retirou a criança dos braços da outra mulher. Olhou-a fixamente por instantes e, em seguida, abaixou um dos lados do seu vestido, deixando um seio para fora. Ofereceu para o pequenino. Este sugou com sofreguidão. Estava faminto. Uma lágrima correu pelo rosto da condessa que, depois de semanas de sofrimento, permitiu-se sorrir. Nem ela, nem seu marido entenderam como uma criança tão nova pôde sobreviver depois de ser abandonada e deixada à própria sorte. “Foi Deus, ele enviou-o para nós”. - foram as palavras da condessa. O senhor do castelo, marido da condessa, percebeu que aquele recém-nascido era a cura para a enfermidade de sua mulher. Com isso, o menino foi oficializado filho legítimo do casal, herdeiro do trono. O conde Vlad II deu-lhe seu nome e sobrenome. Daquele dia em diante, o menino foi chamado por todos de Vlad Draculea III.

Com o passar dos anos, o garoto mostrava habilidades incomuns. Todos ao seu redor perceberam que ele não era como as outras crianças. Em 1450, na guerra contra os turcos, depois do assassinato do conde Vlad II, o jovem Draculea III viu-se obrigado a substituir o pai, tomando a frente no campo de batalha. Usou sua juventude, seu ódio e sua força aparentemente fora do comum para vencer batalha após batalha. Contudo, a guerra continuava. Os inimigos cresciam e se uniam. Mas, no comando de seu exército, Draculea III parecia ser imbatível e, com absurda crueldade, destruía os oponentes. Só que logo, seus ataques tiveram que diminuir de intensidade, isso porque sua saúde - que sempre foi perfeita - passou a preocupá-lo. Tonturas, enxaquecas e queimações no estômago tornaram-se frequentes. Mal conseguia comer ou beber sem vomitar. Os raios do sol embaçavam-lhe a visão a ponto de não enxergar absolutamente nada. Sendo assim, suas investidas contra os oponentes foram transferidas para a noite, lutavam tendo a lua como testemunha da carnificina. Draculea III era determinado e impiedoso, muito mais do que o conde predecessor. Não deixava a batalha até o último inimigo tombar morto. Parecia movido por instinto. Tornou-se temido pelo mundo, no entanto, um herói entre seu povo. Mas algo o desconsertou. Quando sua mãe, a condessa, estava à beira da morte, sofrendo de uma espécie de câncer de pele, disse-lhe que apesar de ele não ter saído do seu próprio ventre, ela sempre o amou e no momento que o olhou pela primeira vez, soube que algo grandioso brilhava dentro dele. Depois dessas palavras, quando sua mãe deixou o mundo dos vivos, Draculea chorou e se espantou ao perceber ter lágrimas levemente rubras. Neste momento, a camponesa que o encontrou quando criança surgiu à porta do aposento real e, sentiu a necessidade de narrar-lhe toda a verdade sobre sua origem. A verdade que nem o conde Draculea II e nem a condessa conheceram. Todo o segredo foi dito. Perplexo, o conde sentou-se numa cadeira nobre, do lado do corpo sem vida de sua mãe. Tentou entender. Tentou compreender. Amargurado, dirigiu-se até onde fora encontrado quando bebê. Era noite, a lua brilhava e se refletia no mar. Os restos do bote citado pela criada estavam caídos de lado, atolados na margem do rio. Draculea pousou a mão na madeira apodrecida pelo tempo. Neste momento, sua mente foi invadida por imagens e lembranças que não eram suas: uma mulher, num tempo remoto, dentro de um casebre lutava desesperadamente para não ser violentada por um ser do inferno, possuidor de um elmo com chifres curvos como os de um búfalo. O esforço da vítima foi inútil.
− Satisfeita? − o demônio indagou numa voz possante quando terminou e, em seguida, deu-lhe as costas.
Na visão sequencial, a mesma mulher, agora grávida, aparecia correndo numa floresta de árvores de troncos delgados. Aparentava estar fugindo. Escondeu-se na selva, logo deu à luz a seu bebê. O parto foi difícil. Ela enrolou o filho recém-nascido num xale vermelho e colocou-o com cuidado num bote velho que se encontrava preso nas margens da praia. Com sofrimento, deixou que o barco fosse levado pelas ondas. O choro da criança fora o último som que ouviu antes de esmaecer.
 Os fatos que acarretaram no estupro desta mulher por um demônio, assim como as mudanças ocorridas com Draculea III depois daquelas descobertas, caro leitor, são outras histórias.

*Este conto “O início” faz parte de uma saga que ainda estou escrevendo. Um RPG, um misto de terror com épico. Espero muito em breve poder publicá-lo e poder assim dividi-lo com todos.




Evandro Guerra

Biografia: Evandro Guerra nasceu no Rio de Janeiro, em 1978, mas reside hoje na cidade de Santos, litoral de São Paulo. É desenhista, pai de dois filhos – Bárbara e Eric – amante da literatura fantástica, filmes e contos épicos, Rock e Heavy Metal. Participou dos livros: Draculea, Draculea 2, No mundo dos cavaleiros e dragões, Sobrenatural e Asgard – A saga dos nove reinos. Tem seus contos postados no site www.estronho.com.br
Contato com o autor: evandroguerra@ymail.com       









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