Conto - Prisioneira.





Viver trancafiada não é nada fácil. Eu represento um enorme perigo para a sociedade e tudo o que sabem fazer é prender-me aqui.

Toda a comida que me serviam era devolvida sem ter sido tocada. Nenhum alimento desce por minha garganta. Diante disso, há muito tempo desistiram de trazer-me um prato de comida e há anos a cena se repete diariamente. Mas uma vez por semana eles me mantêm com a única coisa que desce goela abaixo. São sete dias sofríveis e penosos, que chegam ao fim no momento em que a refeição é servida. E eu me delicio com o farto alimento. Depois disso são mais sete dias até que me alimentem outra vez.Nesse período me controlam com remédios para ansiedade e raiva.
As paredes são à prova de qualquer ruído, para que ninguém possa ouvir os últimos gritos de horror emitidos pelo meu jantar.
Sou uma garotinha de apenas treze anos, mas quando aqui cheguei tinha sete. Todos dizem que sou fruto de algum pesadelo, porém eu sou aquilo que dá origem aos piores pesadelos. Eu sou aquilo que dá origem à própria morte.

Meus ouvidos são apuradíssimos e de longe posso ouvir os passos deles se aproximando e os pés do meu jantar arrastando-se e debatendo no chão frio de cerâmica branca.
A porta enfim se abre e eles o jogam rapidamente para dentro de minha cela. São como carcereiros que colocam a refeição do condenado por entre uma abertura na porta de ferro, porém aquela refeição é grande demais para passar por uma fresta.
O sujeito cheira mal, está imundo, mas nada disso importa tamanha é minha fome.
O de sempre, penso sorrindo.O homem parece se tranquilizar ao ver uma menininha de treze anos numa camisola branquinha e comprida de mangas longas. Cabelos loiros e soltos jogados até a cintura. Sente certa paz ao admirar o brilho inocente dos meus olhinhos azuis.— O que vai fazer comigo menininha? Quer que eu brinque de bonecas com você? — pergunta num sorriso debochado.Eu balanço a cabeça, gentilmente, em sinal de negação.— Vamos brincar de comidinha.Ele sorri novamente, mas em pouco tempo o sorriso dá espaço a um rosto petrificado e a olhos vidrados pelo horror à sua frente. De sua garganta saem gritos ensurdecedores que preenchem todo o espaço. Mas que não escapam de lá.Qualquer brilho que pudesse existir naquelas íris castanhas foi apagado, mas antes pude ver naquele reflexo amarronzado, a minha transformação.

Os gritos cessam e ele também.

Os carcereiros voltam e limpam a sujeira, lavam-me e trocam a minha roupa.
Em sete dias tudo irá se repetir, como num eterno dejavú.
           
Eu não era a única.
Mais de uma dezena igual a mim está presa nesse maldito lugar.
Criaturas que não dependem da Lua para se transformar, apenas da fome e da raiva. Somos lobos famintos no corpo de seres humanos. Nossas presas e nossas garras transformam carne humana em carne comestível; sangue humano em doce néctar.
Somos mantidos com o apoio secreto do exército e do governo que nos entrega a escória da sociedade sem bandeja ou sobremesa. Tratam-nos como trituradores de lixo.
Muito prazer, meu nome é Rebeca e sou filha do governador, idealizador da ideia, e estou aqui porque matei a minha mãe.



Gisele G. Garcia

Biografia: Gisele G. Garcia nasceu em São Paulo, Capital, em agosto de 1988. Formada em Técnico em Produção Gráfica, atua na área de Designer Gráfico e faz Editoração Eletrônica.
Ainda muito jovem ao assistir Drácula do diretor Francis Ford Copolla se apaixonou pelos vampiros e pelo filme, o que a levou a conhecer mais sobre vampiros até chegar à sua paixão... Os vampiros da Autora Anne Rice.

Aos treze anos leu o primeiro livro da autora Adelaide Carraro e isso a incentivou a querer escrever. Tem também como ídolos Agatha Christie e Harold Robbins.

É autora do livro Sangue e Desejo (Editora Literata em parceria com o selo Listas Literárias).

Participou das antologias: Marcas na Parede (Andross Editora), Casos Minimalistas (Pergaminho Editora Online) e À Sombra do Corvo (Editora Literata em parceria com o selo Estronho) e da Revista TerrorZine 19 /21. Participa das antologias: Histórias Fantásticas Vol. 2 e Vol. 3 (Cidadela Editorial); Insanas, Elas Matam (Editora Estronho); VIII Demônios: Luxúria (Editora Estronho) e Asgard – A Saga dos Nove Reinos (Jambô Editora).

É mantenedora do blog www.letrasdesangue.blogspot.com onde publica seus contos.







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