Conto - A Porta.





Liu desceu do carro, retirando suas coisas e apertou a mão do chefe.
- Assim que terminar aí, me manda um torpedo e eu venho. Qualquer problema, me liga! Ah, a chave!

Liu apanhou o molho de chaves, e uma lhe chamou a atenção por ser grande, um pouco dourada e bastante usada e enferrujada. Após lidar com alarmes e fechaduras, entrou na casa, meio vazia, e com alguns móveis ainda cobertos por um tecido amarelado que um dia tinha sido com certeza branco. Um pedaço que escapava de uma gaveta era muito claro, mostrando que alguém tinha tido muito cuidado e capricho com a casa há muitos anos atrás, pois agora era invadida por um cheiro forte de mofo e umidade. Curioso, puxou um dos panos e teve um ataque de tosse de tanta poeira. Saiu em direção a um banheiro que estava com a porta aberta e lavou o rosto na pia de mármore, linda, esculpida como uma flor aberta. Quando olhou seu rosto no enorme espelho de cristal, que já mostrava sinais do tempo, não pode conter uma exclamação:
-Nooossssaa!!!!! O que é isso?
Atrás dele paredes todas revestidas de mármore, com uma banheira muito grande e de um branco amarelado, as torneiras douradas, outros ornamentos misturando metal dourado e cristal, lustres, pareciam um palácio onde se poderia morar. Ali mesmo, no banheiro!
Voltou ainda mais curioso ao armário descoberto na entrada e ali, com muita força, apesar de ser atlético até por força da profissão, abriu uma enorme gaveta de madeira maciça. Era arrepiante mexer naquilo, mas a curiosidade era maior. Dentro parecia não haver nada, mas o fundo tinha uma rachadura e ele percebeu ali um fundo falso, e com mais força ainda, e o auxílio de uma chave de fenda, o rachou mais e viu que havia um amontoado de papéis, flores secas, fitas e um maço de fotografias cobertas por um papel de seda que deveria ter sido azul.
Após horas de pura indiscrição, primeiro vendo as fotos de uma mulher com olhar profundo e triste, de olhos verdes e cabelo preso, aparentando ser alourado, outras em que ela aparecia ora sorridente, abraçada a um homem muito sério ora triste, ao lado de um rapaz mais jovem, e algumas amorosamente embalando um bebê.  Em algumas aparecia muito nova, com outras garotas, muito parecidas com ela. Embrulhou tudo e resolveu olhar mais tarde, ou alguém poderia aparecer e ver que ele não estava restaurando absolutamente nada!
Armado de suas ferramentas e de uma garrafa d’água, começou a trabalhar, no ambiente frio, úmido e poeirento, até que notou que já estava escurecendo.  Lavou-se, e foi em busca do celular.
Então notou que havia mais alguém na casa. Pensando se tratar de um ladrão, ficou apavorado e pegou uma marreta e com ela tratou de se esconder até alcançar a entrada e disparar o alarme silencioso. Foi quando derrubou a marreta quase em seu pé ao ver, no meio da sala, sentada em frente ao armário, agora totalmente descoberto, e mexendo nas coisas de uma de suas gavetas, a mulher. 
Seus cabelos ondulados e de uma cor entre o dourado e o marrom caíam cobrindo as costas e se esparramando um pouco pelo velho tapete. Eram os cabelos mais longos que ele já tinha visto. Suas mãos magras e muito brancas, seguravam um velho casado de veludo escuro, tendo arrumada dentro dele uma camisa amarelada de peitilhos de renda.
Então ela se virou lentamente e sorriu.
Ele então ficou hipnotizado por aquele sorriso. Parecia uma senhora daquelas de filmes. O rosto rosado, os olhos brilhantes, rasos d’água, um enorme anel de rubi no dedo e uma aliança muito grossa na mão esquerda, seguida por outra menor no mesmo dedo, indicando viuvez.
-Desculpe se o assustei.
Seu sotaque era ainda mais hipnótico e ele ficou ali parado, sorrindo, olhando para ela que levantou e ficou a examiná-lo. Seu vestido antigo, arrastando no chão, fez um barulho que o incomodou e então ela parou de se mover.
-Esperei tanto tempo!
E aproximando-se dele, ela lentamente o abraçou e ele não pode resistir a abraça-la, sentindo seu perfume de flores, um perfume estranho e muito forte, que ele não sabia de onde conhecia. Seu corpo de repente, de frio que estava, ficou morno, e sua pele era macia ao toque, ela foi coduzindo Liu escada acima e lá tirou de seu bolso o molho de chaves, com a chave esquisita abrindo uma enorme porta que rangeu.  Mesmo meio apavorado, Liu não conseguia conter a excitação e precisava acabar com o desejo que já queimava dentro dele.
Mesmo com a escuridão que reinava no quarto, em que se via menos que a meia luz, ele não teve medo e nem sentiu a poeira que o incomodava na casa toda. Sentia um cheiro de flores muito forte que emanava principalmente do corpo dela, macio que agora, nu, se enroscava no seu. Sem poder controlar mais o desejo, ele sentiu que ela o acariciava de forma mais audaciosa e que sua boca descendo em direção a seu sexo o fazia ficar ainda mais excitado e enlouquecido de prazer. E quase não podendo mais se segurar, sentiu que ela deitou-se ao lado dele, que não resistiu e mergulhou naquele corpo quente, e o prazer que sentiu foi tamanho enquanto se moviam como numa luta para aplacar suas vontades, que não se incomodou quando ela cravou seus dentes em seu pescoço e foi desfalecendo de prazer.
Ele abriu os olhos e ela ainda estava ali. Pensativa, olhando o teto. Percebendo que ele tinha despertado, levantou-se e vestiu-se, enquanto ele admirava seu corpo que não era jovem, mas era bonito, desejável, mas o desejo era muito fraco, assim como ele, que mal conseguia se mexer. Ela encostou seu pulso em seus lábios e ele sugou aquilo que tinha um sabor agridoce,  e do que jamais se enjoaria. Retirando o braço de seus lábios e o beijando ardorosamente, ela o ajudou a levantar-se e o guiou até a porta da entrada.
Supreso, ele se viu fora da casa.
(...continua)





A Wild Garden

BiografiaWilda Garden é escritora, compositora, tradutora e intérprete de Inglês, psicopedagoga e ativista. Já foi guitarrista, baixista, lider de bandas, produtora de bandas e eventos e atriz de teatro amador. Também foi bastante atuante na cena underground como editora e colaboradora em fanzines e outras publicações alternativas. Atualmente radicada em Santa Catarina, onde pretende terminar seus dias.





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