Conto - Os Novos Descobridores.



Outubro de 2030.


Seria mais um dia como tantos outros. Pessoas agindo automaticamente, como se não mais houvesse necessidade de utilizar seus cérebros. Seus corpos seguindo seus rumos particulares por simples impulso pois um especialista (na verdade mais um dos neo gurus que sempre surgem) afirmou que agindo dessa forma combater-se-ia o stress que era o mal da humanidade. Poupando-se o cérebro das preocupações cotidianas ter-se-ia uma melhor qualidade de vida. Enfim...


Meio da tarde, a gigantesca cidade fervilhava como de costume até que alguém percebeu uma estranha presença no céu. Uma pessoa, duas, três, uma multidão passou a olhar para o céu.

Logo, após ser constatada a presença de uma gigantesca nave desconhecida pairando sobre a cidade, a região foi evacuada e os militares foram enviados até lá.


Canhões mirados para ela, homens ao mesmo tempo curiosos e receosos aguardavam algum sinal hostil para que o ataque fosse efetuado. Seria mais fácil destruir do que tentar entender a novidade.

Um sinal de animalidade, de bestialidade, talvez tivesse sido a melhor escolha.

Por mais que soe como politicamente incorreto, em determinados momentos a humanidade deveria ter agido por instinto ao invés de racionalmente. Muita coisa poderia ser diferente. Se o cérebro tivesse sido poupado também na ocasião... Onde estava o tal neo guru???

Foram tentadas algumas formas de comunicação, mas foi em vão. Nenhuma resposta foi dada.

Durante mais de vinte horas ela permaneceu ali, estática, flutuando sobre a cidade, como se não estivesse ali. Os olhos do mundo estavam voltados para aquela geringonça de proporções inenarráveis a espera dos próximos acontecimentos.

Embora o medo imperasse, as forças armadas tinham trabalho para manterem afastadas pessoas que queriam estar próximas da nave. Diziam desejar “serem salvas pelos anjos dos céus”. Mais um neo-guru em ação, provavelmente.

Houve troca de turno dos soldados que mantinham guarda no local e finalmente um membro do governo decidiu ir até lá.

Como se percebendo a presença “importante” no local, um tênue feixe de luz saiu da nave e foi até o solo, como formando uma ponte, e no local surgiram algumas criaturas estranhíssimas.

Alguns dos presentes sentiram seu medo aumentar, fuzis e metralhadoras foram apontadas para eles, mas diante da atitude cordial que tiveram para com o homem que ali representava a humanidade, perceberam o quanto tal atitude havia sido grosseira.

Houve uma amigável troca de presentes, embora a comunicação verbal não tenha sido possível devido às diferenças de linguagem.

Logo, mais líderes dirigiram-se até o local, aquele era um momento histórico do qual não podiam deixar de fazer parte, e mais seres da nave desceram ao solo.

Após alguns dias já era possível uma comunicação através de gestos entre as duas espécies e a presença daquelas estranhas criaturas, por mais inusitada que pudesse ser, acabou tornando-se corriqueira.

Foi-lhes oferecido alimento, hospedagem e mais presentes. Com o passar do tempo as pessoas que mantinham contato com os alienígenas já balbuciavam alguns sons oriundos da linguagem utilizada por eles e já era possível conhecê-los melhor.

O mundo que de início recebeu aturdido a visita daquelas criaturas, já havia retornado à sua vida cotidiana. As pessoas ligadas em seus pilotos-automáticos pareciam não dar mais importância àquela nave pairada sobre a cidade que só servia para impedir que a luz do Sol a aquecesse.

Mas a situação não era assim tão simples: alguns alicerces da civilização humana haviam sido gravemente abalados com a nova realidade. O homem não estava sozinho no Universo como até então se imaginava. Qual era a “verdade” então? Eles deveriam ter a resposta.

Enquanto as lideranças humanas discutiam a respeito dos novos rumos a serem tomados para que o controle sobre as massas permanecesse, os visitantes se familiarizavam com os costumes humanos e se comunicavam com sua terra natal informando-os a respeito das novidades.

Não demorou muito para que mais naves surgissem nos céus.

Num dado momento milhares de alienígenas já conviviam com os humanos e alguns deles pareciam ter-se integrado às famílias, embora houvesse aqueles que não vissem com bons olhos essa novidade e haviam se afastado dos locais onde eles se faziam presentes.

Aos poucos os alienígenas que já conseguiam se comunicar plenamente com os humanos, passaram a questionar seus hábitos, suas crenças e costumes, e lentamente influenciavam aqueles com quem conviviam com seu modo de ver a realidade. Ensinavam sua língua, explicavam sobre suas crenças, seus hábitos...

Chegou o dia em que uma nova nave chegou e trouxe aqueles que, com o aval dos governantes locais, instalaram uma “escola” onde passaram a ensinar sua língua, religião e costumes às crianças locais. Eram chamados de ensinantes.

Com o tempo mais dessas “escolas” foram criadas. A maioria dos humanos via isso com bons olhos pois o nível de ensino, além de diferenciado, fazia com que as crianças, e os adultos que também desejassem, tivessem contato com coisas que até então lhes eram inimagináveis.

Seria essa a salvação que algumas seitas “ufanistas” procuravam?

Por mais amigáveis que essas criaturas esforçavam-se por ser, demonstravam um interesse mórbido acerca de água doce e demonstravam enorme impaciência em saber mais e mais sobre ela.

Procuraram conhecer os lugares onde se localizam as nascentes dos maiores rios da Terra e todas as características relevantes sobre a substância. Pediram para que fossem levados a esses lugares e seus olhos se maravilharam ao conhecer as fantásticas quedas d água e as nascentes dos maiores rios da Terra.

Quando a região onde havia se dado o primeiro contato já estava quase toda tomada por eles, passaram a enviar o que denominavam messengers às regiões próximas, como expedições. De passagem, sempre deixavam alguns membros da sua espécie para conviver com os humanos que viviam nas cidades pelas quais passavam, geralmente messengers.

Alegando efetuarem um aprofundado estudo sobre a água, solicitaram a permissão para enviar gigantescas quantidades para sua terra natal, e assim se deu.

Tudo transcorriam normalmente, a presença dos alienígenas já não causava espanto àqueles que viviam nas regiões já por eles freqüentada, e a rotina havia se instalado mais uma vez.

Aquilo que um dia parecia indicar o início de uma Nova Era para a humanidade parecia não ter a importância que um dia se julgou ter. Pouco havia mudado na mentalidade das pessoas, com exceção daqueles que tinham uma convivência mais próxima com os alienígenas.

Mas chegou o dia em que novas naves pairaram sobre os céus do outro lado do planeta, onde os primeiros ainda não haviam chegado com suas “expedições”. Não eram naves como aquelas que haviam trazido os primeiros alienígenas. Seu formato era diferente, e as criaturas que delas desembarcaram também em nada se assemelhavam com aquelas com o qual a humanidade já havia se acostumado.

A novidade não foi vista com bons olhos por aqueles que haviam chegado primeiro: os recém-chegados eram de uma espécie que ao longo da eternidade havia se tornado inimiga dela por diversos motivos. O principal deles: a busca por água potável.

Descobriu-se então o real motivo da vinda daqueles novos povos até a Terra: a necessidade urgente de que obtivessem água para abastecer seu planeta de origem.

Os governantes perceberam então que infelizmente as intenções daqueles visitantes eram prejudiciais à humanidade. A água, assim como para eles, também é essencial para a humanidade, e já haviam indicadores apontando que o estoque de água doce potável do planeta não seria suficiente para abastecer mais de um planeta.

Como negar agora que gigantescas quantidades de água congelada fossem transportadas para outro planeta se até então isso lhes era permitido?

Embora muitas novidades tecnológicas tenham sido apresentadas à humanidade com a chegada daqueles novos seres, nenhuma delas seria capaz de impedir que a humanidade toda sucumbisse à inexistência de água potável no planeta.

Estava claro que as armas de destruição daqueles seres eram superiores às humanas, e o fato de negar-lhes aquilo que haviam vindo de tão longe buscar poderia desagradá-los bastante
Haveria possibilidade de argumentação?

Após a chegada da nova raça alienígena os governantes decidiram esperar o decorrer dos acontecimentos.

Tendo os humanos como mediadores foi tentado um acordo entre as duas raças visitantes, mas a inimizade cultivada durante milênios entre elas falou mais alto e o planeta Terra acabou tornando-se palco de uma sangrenta guerra entre elas.

O nível de destruição das armas por eles utilizadas tornou-se evidente, para preocupação dos governantes humanos.

Oriente e Ocidente. Nunca antes tal divisão do planeta fora tão evidente e rígida, nem mesmo na época da conhecida Guerra Fria.

Enquanto o Ocidente mantinha estreitos laços com os primeiros visitantes, o Oriente apoiava aqueles que conviviam com eles, a raça recém-chegada.

Com o tempo descobriu-se que no Universo havia inúmeras outras raças e a possibilidade de elas também virem até o planeta não podia ser descartada.

Cidades eram destruídas e pessoas morriam nos confrontos. A fúria com a qual ambas as raças se entregavam à luta era algo jamais visto por olhos humanos.

Aquilo que até então fora visto com bons olhos pela maioria da humanidade já mostrava agora sua face hedionda ao ficar claro que a única preocupação que ambas as raças guerreantes tinham era somente em manter intacta a água pela qual lutavam, não se importando com as vidas humanas que eram perdidas quando suas terríveis armas eram utilizadas.

Trazer mais seres até a Terra para participarem da sangrenta guerra que era algo extremamente demorado e dispendioso, passou-se então a utilizar humanos nas batalhas.

Não só com a promessa de uma vida gloriosa, mas também com a punição àqueles que se negavam a ingressar as forças bélicas, vidas humanas passaram a servir de peças para o jogo daqueles seres.

Aquela minoria que um dia havia preferido afastar-se das áreas que serviam de hospedagem e convivência das novas raças perceberam que seus instintos não os haviam enganado, mesmo assim, sofriam as conseqüências da guerra global que se instalara.

Tornou-se então pública a constatação de que a água no planeta era insuficiente para suprir as necessidades dos humanos e dos alienígenas e então as pessoas passaram a defender algumas nascentes, acrescentando então mais um ingrediente à guerra: não apenas os alienígenas estavam dispostos a lutar pela água, os humanos também.

Claro que a desvantagem bélica em que os humanos se encontravam era gritante, mas era uma questão de sobrevivência.

Impossível numerar a quantidade de vidas perdidas, mas em nenhum momento os humanos deixaram-se abater.

Existiam aqueles que estavam do lado das nações invasoras, encantados pelas promessas que lhes haviam sido feitas, mas eram minoria.

Dezenas de anos se passaram, outras raças vieram ao planeta e tomaram parte da guerra ao aliar-se a determinados lados, mas finalmente chegou o dia em que um lado deu-se por vencido e abandonou a Terra.

Mesmo com o planeta desconfigurado, com países arrasados e nações extintas, o que restou da humanidade acreditou que finalmente poderia retornar àqueles dias em que seus cérebros eram poupados e seus corpos agiam automaticamente.

Os sobreviventes, na grande maioria, eram aqueles que haviam apoiado o lado invasor vitorioso. Os rebeldes haviam sido dizimados quase em sua totalidade.

Havia chegado finalmente o momento de receberem tudo aquilo que lhes havia sido prometido no início da guerra.

Estavam enganados...

Hoje, o que restou da humanidade é obrigada a viver em regiões demarcadas, destinadas à eles, onde podem manter seus hábitos de vida, preservar sua cultura, sua religião, sua língua e suas crenças.

A nova raça que então convivia pacificamente com os humanos no início, hoje, impõe sua cultura estranha à humanidade, critica seus costumes e não respeita seus mais essenciais direitos.

Os híbridos, meio humanos meio alienígena, são vistos com maus olhos por ambas as raças. Os humanos os desprezam por possuírem sangue daqueles que os subjugam e os alienígenas os execram por possuírem o sangue de uma espécie considerada inferior.

Sua presença é tolerada em determinados lugares, mas estão longe de ter uma vida normal assim como os demais habitantes.

A água, que desde o início fora a causa da vinda das novas raças à Terra, hoje é racionada. É dada prioridade aos alienígenas. Aos humanos é destinada aquela água que para os “dominantes” já não possui mais serventia, uma água de segunda categoria, geralmente com algum tipo de contaminação.

O planeta Terra tornou-se uma colônia alienígena, de onde é extraída a substância de maior valor para eles: a água.

Nas “reservas humanas”, por mais que os anciãos lutem por manter viva a cultura e as tradições humanas, a cada nova geração percebem que o interesse dos jovens por elas diminui, sentindo-se atraídos pela cultura alienígena: mais abrangente.

Lembro-me de livros de história que relatavam acontecimentos semelhantes, iniciados em 1500, quando as nações européias afirmavam terem “descoberto” o Novo Continente, a América, mas aquilo me parecia tão distante e improvável que jamais acreditei terem realmente acontecido.

O povo que fecha os olhos para o seu passado está condenado a ter um futuro sombrio...




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