Conto - O Menino da Foto.


Psiquiatra forense à vinte e cinco anos relatarei aqui um caso que aos olhos da justiça permanece sem explicação, mas que em meu íntimo grita forte como sendo verdade, por mais absurda que possa parecer.




Ninguém poderia imaginar que aquele rapaz algum dia poderia se encontrar naquelas condições. Ao deparar-me com ele vislumbrei olhos inocentes e perdidos, diferentes dos de tantos e tantos maníacos psicopatas que já havia tratado.
Jovem, inteligente, simpático e educado, quem convivia com ele tinha a certeza de que seu futuro seria brilhante. Infelizmente o destino havia conspirado para que todos estivessem enganados.
Trancado naquele quarto do hospital psiquiátrico ele mesmo não conseguia entender de que forma havia chegado àquela condição e era meu dever trabalhar para que tanto ele quanto a justiça pudessem conhecer a verdade.
Segundo suas próprias palavras era como ter simplesmente acordado de uma noite de sono e inexplicavelmente se encontrar naquele local sem fazer a menor idéia de como ter ido parar ali.
No início sua amnésia era total, mas com o tempo as terapias começaram a surtir efeito e as lembranças começaram a ressurgir em sua mente. Lembranças dolorosas que ele mesmo desejava jamais terem sido reavivadas. Lembranças que ninguém desejaria ter. Lembranças que revelavam uma história sem sentido algum para mim e que somente ganhava veracidade devido à emoção que exprimiam àquele perturbado rapaz. Lembranças que apenas uma mente perturbada ou frente à mais inquestionável prova poderiam ser levadas em consideração.
Ao se dar conta do que havia acontecido ele entrava em desespero e se recusava a acreditar no que havia acontecido. Assim como qualquer pessoa que o conhecera até então, ele jamais se julgou capaz de fazer aquilo de que o acusavam.
Por mais que as terapias avançassem no encontro da verdade encarcerada em sua mente elas não atingiam o ponto crucial que eu procurava chegar: o momento em que toda sua família havia sido trucidada a golpes de machado.
Mesmo com minha vasta experiência como psiquiatra forense aquele caso era-me uma incógnita que desafiava meus conhecimentos e devido à isso passou a ser uma questão de honra para mim descobrir a verdade.
Contarei o que me foi dito. Tudo aquilo que foi-me possível descobrir após meses de trabalho incansável naquele caso. Não desejo convencê-los do que quer que seja, apenas leiam o que aqui narro e tirem suas próprias conclusões.
Como já mencionei o rapaz não fazia idéia do motivo pelo qual havia sido internado naquele lugar. Lembrava-se apenas de ter ido dormir e ter acordado naquele local estranho, nada além disso. Segundo ele mesmo, era como se o sonho no qual tinha entrado assim que dormira ainda não tivesse acabado.
Não entrarei nas técnicas utilizadas para acessar tudo o que estava enclausurado em sua mente, creio não haver necessidade disso, irei direto àquilo que me foi revelado e que é o que vem ao caso pois o texto não se trata de um manual de psiquiatria.
Após alguns dias, com muito tato, revelei à ele o motivo de estar ali: a polícia havia sido acionada por seus vizinhos por causa de gritos terríveis vindos de dentro da sua casa durante a madrugada e ela, ao chegar ao local, encontrou sua mãe, seu pai, a empregada e o casal de irmãos mais novos mortos à golpes de um machado que meticulosamente estava disposto sobre a mesa da cozinha, banhado no sangue daqueles que ele vitimara. Para o horror de todos ele, o jovem, estava em seu quarto dormindo tranquilamente, com as roupas e as paredes do quarto lavadas de sangue.
Ao conhecer tais fatos sua reação imediata me causou imensa estranheza, como se aquilo tudo não o atingisse em nada ou como se não acreditasse no que eu lhe contava. O gravador que eu mantinha ligado não teve acesso à gritos de desespero que eu acreditava serem via de regra para aquele caso. Ele simplesmente me olhou com doçura no olhar e começou a me contar a história mais incrível que eu já ouví. Uma história que nem ao menos cogitei levar às autoridades por ser incrível demais para que soasse como verdade e o livrassem daquela situação terrível. Eu mesmo de imediato não pude acreditar. Mas vamos à ela:
Como tantos boatos que circulam na internet havia a história da foto de um fantasma que havia sido captado quando tiraram a foto do corredor de um casarão abandonado. Segundo diziam os locais era o fantasma de uma menina que havia sido morta no local após meses e meses sofrendo as mais terríveis barbáries por parte de seus pais e irmãos. Após seu falecimento ela fora enterrada em segredo nos fundos da propriedade e a partir de então seu espírito passou a atormentar todos aqueles que ali viviam até o dia em que todos foram encontrados mortos.
Mais uma lenda da internet que para os jovens soava como divertida mesmo sendo a foto um tanto quanto horrível.
Para ganhar status entre os colegas do colégio, como ele mesmo afirmou, resolveu imprimir a foto e com ela fazer um enorme pôster. Ele me confessou que a primeira vez em que a viu sentiu um estranho arrepio percorrer sua espinha, mas como havia prometido aos colegas medrosos ele imprimiu a foto, foi até a gráfica de seu primo, pediu que fizesse um enorme pôster com ela e decorou a cabeceira de sua cama.
A imagem assustadora tomava toda a parede. Tinha a largura da sua cama, mas seguia até o teto. Ela parecia um ímã: era impossível entrar no quarto sem ter a atenção voltada para ela.
Dentro de pouco tempo a história se espalhou, diversos jovens foram à sua casa para comprovarem com seus próprios olhos o feito do colega e logo ele se tornou uma celebridade entre os jovens, sendo apelidado de “O Menino da Foto”.
Os adultos não viam aquilo com bons olhos, afinal, sendo ou não verdade, a brincadeira era de péssimo gosto e seus pais o aconselharam a se livrar daquela imagem pavorosa após alguns dias do início da brincadeira. Ele se recusou pois era graças à foto que agora ele era conhecido, respeitado e admirado, ao contrário do que acontecia antes.
Sua mãe alegava que ao entrar em seu quarto e deparar-se com a foto tinha a nítida impressão de que a menina a acompanhava com os olhos por onde quer que ela fosse, e isso lhe causava um profundo terror, o que a fez evitar o cômodo.
Seus irmãos mais novos se queixavam de que vinham tendo pesadelos terríveis com a menina, pesadelos em que ela saía da foto e vinha até seus quartos ameaçando-os de morte. Um fato bastante estranho, ele mesmo me confessou, as duas crianças sonharem com a mesma coisa, mas não deu atenção à eles, devia ser apenas coisa de criança.
A empregada relutava em fazer a faxina no quarto pois alegava que por diversas vezes ouvia sons semelhantes à choramingos ou risos contidos ecoando baixinho pelo quarto.
Quando seu pai lhe ordenou pela primeira vez que se livrasse daquela foto ele mesmo pensou em obedecer pois não se sentia confortável com tão pavorosa imagem, mas por algum motivo acreditava ser idiotice demais as pessoas acharem que uma simples foto tirada da internet pudesse causar mal a alguém e baseado nisso acabou contrariando seu pai.
Alguns dias se passaram e quando sua avó veio visitar a família ficou horrorizada com aquela imagem agourando o quarto do neto. Confidenciou à sua filha, a mãe do rapaz, de que a história que veiculava na internet não se tratava de uma mera lenda e sim da mais pura verdade e que ele deveria se livrar daquilo o quanto antes.
Ela conversou com o rapaz, mas devido aos frutos que colhia com seu gesto para com a foto, ele se recusou a pôr um fim no motivo que o havia elevado ao patamar de celebridade regional. Como ele mesmo disse à sua mãe: isso é medo de gente velha, é besteira.
Com a negativa do rapaz o pai tomou a decisão crucial: ou o jovem se livrava daquilo ou ele mesmo o faria na manhã seguinte pois até mesmo em seu trabalho já havia ouvido piadinhas em relação à brincadeira de péssimo gosto do filho.
Odiou seu pai pelo ultimato. A atitude do coroa supersticioso o relegaria de volta ao patamar de mero mortal comum na escola. Não, ele não iria dar cabo à foto e esperaria até a manhã seguinte para ver se ele realmente teria coragem de entrar em seu quarto e se livrar da foto da menina. Enfrentaria seu pai até o último momento que pudesse, ainda que sua derrota fosse certa, ele mostraria ao pai que sabia lutar pelos seus ideais, mesmo que eles se baseassem em uma inocente brincadeira de mau gosto.
Não houve tempo para que se conhecesse o vencedor de tal embate, pois na manhã seguinte o rapaz acordou já trancado no quarto do manicômio (segundo suas próprias palavras).
Ao ouvir a história, assim como qualquer pessoa, fui levado à duas possíveis conclusões: motivado pela raiva por ter sido contrariado o rapaz deu cabo de toda a família e decidiu colocar à culpa sobre o espírito da menina da foto, baseado na lenda existente sobre ela ou então a lenda acerca da foto era verdadeira e ela, antes de ser destruída, decidiu destruir todos aqueles que se opunham é ela.
Psiquiatra que sou mantive-me atento à primeira conclusão sem dar margem à devaneios acerca de acontecimentos sobrenaturais. Mas algo em mim lutava contra a racionalidade por mais que eu me esforçasse para não dar atenção à segunda teoria.
Mais algumas semanas de terapia se passaram e nenhuma evolução foi possível. O rapaz jamais afirmou que o assassinato de sua família fora obra de acontecimentos sobrenaturais assim como jamais confessou ter sido ele o autor daquelas mortes.
Não havia traço algum em sua personalidade que me fizesse acreditar que ele tivesse matado a família, mas era loucura crer que um fantasma tivesse sido o responsável por aquelas mortes. Concordar com isso e registrar na ficha do rapaz tal conclusão colocaria em cheque toda a credibilidade profissional que por anos lutei por construir.
Os laudos da perícia constatavam que não havia sinal de arrombamento na casa, somente o da porta dos fundos, ocorrido devido à invasão dos policiais. A hipótese de alguma pessoa alheia à família ter sido a autora da barbárie e ter colocado a culpa sobre o rapaz ou até mesmo sobre a imagem da foto (por mais ridícula e estapafúrdia tal teoria possa soar) estava fora de cogitação.
O que teria acontecido ali? Todos os recursos já haviam sido esgotados. Até mesmo o artifício da hipnose eu já havia empregado e a única história à qual tive acesso foi a que relatei acima, nada além disso. O jovem dizia a verdade.
Minhas noites passaram a ser intranqüilas. A idéia de um fantasma ter sido o autor daquelas mortes fugia à racionalidade, ela não era passível de crédito e eu me sentia um idiota por levar tal idéia em consideração. Mas havia outra hipótese? Eu não encontrava nenhuma já que tudo levava a crer que a lenda era verdade uma vez que a hipnose revelava exatamente o que o atormentado jovem me narrara e nada mais além disso. Se ele os tivesse matado a hipnose revelaria isso, por mais que ele omitisse a verdade ou seu cérebro a bloqueasse.
As mortes haviam acontecido enquanto ele dormia e a hipnose era a prova disso uma vez que ela nada revelava. Se não havia a possibilidade de alguém ter invadido a casa e cometido os crimes só restava a garotinha da foto.
Em meu consultório acessei a internet e sem muita dificuldade vislumbrei a tão famosa foto pela primeira vez: ela realmente é aterrorizante.
Li a lenda, a mesma que o rapaz me contara embora muitas pessoas dissessem tratar-se de uma mera montagem. Isso me tranqüilizou por alguns instantes, mas logo tal tranqüilidade se desfez diante da minha constatação de que realmente o fantasma captado naquela imagem poderia ser o autor das mortes.
Eu dizendo uma coisa dessas? Talvez esteja ainda mais louco que o rapaz sob meus cuidados...
Perplexo comigo mesmo diante da conclusão à qual cheguei decidi ir até a casa onde tudo ocorrera e tentar pôr um fim àquela idéia absurda.
Não sabia como tal visita poderia me ajudar a desvendar aquele mistério, mas diante da ausência de qualquer outro recurso à minha disposição era a única saída que eu podia ver. O que eu poderia ver na casa que a perícia ainda não tivesse visto? Um psiquiatra, o que eu seria capaz de averiguar que os peritos não fossem capaz de fazê-lo?
Não me custava nada, apenas minha sanidade mental ser posta em jogo.
Consegui as chaves da propriedade com uma tia do jovem alegando necessitar de dados para prosseguir em meus estudos (o que jamais deixou de ser verdade).
Fui até a enorme casa que estava vazia desde o fatídico dia. Nenhum familiar jamais ousou pôr os pés no local desde que os corpos dali haviam sido retirados e nem mesmo a haviam posto à venda. Quem compraria uma casa após acontecimentos tão terríveis?
Adentrei a casa e senti o fedor do sangue ressecado vindo do patamar superior da residência. O ar estava pesado, provavelmente devido aos meses em que a propriedade esteve totalmente fechada. Cautelosamente eu caminhava pela casa vazia. Estranhamente o medo se apossou da minha alma por mais que eu lutasse para acreditar que não houvesse motivos para isso. Mas ele se fazia presente.
Subi as escadas tomando cuidado para não fazer barulho. Temia acordar alguém. Meu Deus, acordar quem? Eu tinha esse medo...
Abri as portas dos aposentos. Primeiro o dos pais, que reconheci pela mobília. Havia manchas enormes de sangue nas cobertas e a visão me deu náuseas. Rapidamente, lutando contra o vômito, fui até o segundo quarto: o dos irmãos mais novos. Não apenas as roupas de cama tinham sangue em abundância como também os brinquedos espalhados pelo chão. Todos quebrados como se uma criatura enfurecida tivesse passado por ali. A cena me causou tristeza, não me perguntem por quê, mas lágrimas correram dos meus olhos.
Finalmente cheguei ao fundo do corredor. A porta do quarto estava fechada. Fiquei alguns instantes frente à ela, paralisado. Temia algo mas não sabia o quê. Talvez a verdade. Lentamente ela foi aberta e deparei-me com a cama onde o jovem dormia enquanto sua família era trucidada pelos golpes de machado. Fiquei horrorizado como jamais havia ficado em minha vida.
Não foi o sangue que cobria as paredes e as cobertas da cama do jovem que me causaram tal horror. O que me horrorizou foi constatar que o pôster ainda permanecia ali, sobre a cabeceira da cama ensangüentada, mas com um corredor vazio como sendo o caminho para o inferno. Fui retirado da paralisia que se apossou de mim por uma funesta risada infantil que debilmente chegou-me aos ouvidos.
Corri daquele lugar trancando a porta como lutando para impedir que algo terrível escapasse daquele lugar e parti rumo ao hospital psiquiátrico onde o jovem até hoje permanece internado.
Jamais comentei com ele sobre a visita. Jamais comentei com quem quer que seja a respeito do ocorrido. Não posso e não devo alimentar a idéia de que a menina tenha sido a responsável pela morte daquela família. Não posso levar a história à justiça na ânsia de livrar aquele jovem inocente do fardo que carrega pois jamais acreditariam em mim.
Psiquiatra, experiente... sou obrigado a crer que a autora das mortes realmente tenha sido aquela menina da foto e carrego o remorso de não ser capaz de livrar aquele jovem da prisão em que permanece, por mais que eu saiba da verdade.



Nota: Existem várias histórias a respeito da origem dessa foto.

Um comentário:

  1. EU tambem não gosto de olhar essa foto, ela passa uma energia negativa, eu estava lendo e me arrepiando, imaginando vc entrando naquele lugar fétido e sem vida, é uma situação temembrosa a é...

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